RODRIGO DA SILVA - BLOG SPOTNIKS
O
governo irá cair. Os cineastas irão protestar. Os funcionários
públicos pelegos também. Os políticos com rabo preso e os
ministros que não querem largar a boquinha seguirão pelo mesmo
caminho. Líderes do movimento sem-teto abrirão passeatas, a partir
de suas casas. E serão seguidos pelos líderes do movimento
sem-terra, em seus caminhões.
Todos
irão às ruas: sindicalistas que não trabalham, estudantes que não
estudam, professores que não ensinam, jornalistas que não informam,
economistas que não pesquisam, intelectuais que não pensam,
eruditos que não leem, revolucionários que não lutam contra o
regime.
A
rua será uma coleção dos mais diversos tipos nos próximos meses.
Terá de tudo. Blogueiros independentes dependentes do governo,
artistas contra a Globo que não protestam para sair da sua folha de
pagamento (ou quando protestam,negam com veemência tudo o que
disseram horas antes), progressistas que combatem o progresso,
políticos de partidos proletários que não recebem os votos dos
trabalhadores, reitores em defesa da democracia simpáticos a
ditaduras de esquerda, religiosos comunistas, humoristas sem graça,
representantes fidedignos da cultura popular que os populares
desconhecem, consumistas críticos da sociedade de consumo, ideólogos
isentos, rebeldes defensores do status quo, formadores de opinião
que ninguém conhece, líderes de plebeus de classe média alta.
Todos
com o mesmo objetivo: defender o governo. E não sem razão. Todos
lucrando em torno de um projeto que agiganta o Estado,
concedendo benefícios, privilégios e dividendos a eles mesmos –
uma casta de nobres que sobrevive graças à grana fácil dos
pagadores de impostos, em sua imensa maioria gente simples. De uma
elite de funcionários oficiais e semi-burocratas que demoniza a
diminuição dos gastos e das atribuições estatais, criando
monstros neoliberais
invisíveis, manipulando a opinião pública, pregando a benevolência
altruísta e romantizando teorias políticas e econômicas que se
provaram desastrosas no último século, apenas porque isso se
traduz em manter seus privilégios e suas contas em dia. E
tudo isso com o apoio de parte de uma juventude lobotomizada em
sala de aula.
Todos
desavergonhadamente contraditórios, incoerentes e paradoxais:
pretensos líderes de uma 'intelligentsia' nacional cada vez mais
entorpecida pela ignorância, partidários da histórica corrente
política do farinha pouca, meu
pirão primeiro. E que não
raramente repete argumentos sem pé nem cabeça para sustentar suas
posições injustificadas. Como as cinco a seguir.
1. “Se Dilma cair, quem assume é o cara em que eu votei pra ser vice-presidente do país. E esse cara não é uma boa pessoa.”
Nos
últimos seis anos, ele saiu de casa em quatro ocasiões
distintas para defender sua posição. Sempre aos domingos.
Encarava as calçadas, pegava uma fila colada a uma parede, caminhava
em passos lentos para prestar satisfação a uma figura que
desconhecia escondida atrás de uma carteira escolar, apresentava sua
identidade e seguia sua trajetória rumo a uma urna eletrônica que
mais parecia uma balança de açougue.
Nela, tinha duas
escolhas fundamentais em jogo. A primeira, escolher um presidente da
República. A segunda, eleger seu vice, constitucionalmente limitado
a atuar como um conselheiro de luxo quando convocado pela autoridade
máxima do país, ou substituí-la em caso de maiores
impedimentos, como uma viagem ao exterior ou um processo de
impeachment. Por quatro vezes digitou o mesmo número, azarado
pela mitologia nórdica: o treze. Em duas delas, ajudou a eleger
Dilma Rousseff como chefe do Executivo nacional e Michel Temer como
seu vice, em prontidão para substituí-la a qualquer momento.
Assim,
referendou o programa político do atual governo em mais de uma
década: um projeto que contou durante todos esses anos com o
PMDB como protagonista, não apenas na vice-presidência da
República, em cargos ministeriais importantes e em posições
estratégicas no alto escalão das maiores estatais do país, como
nas decisões que ajudaram a construir os resultados do governo –
nas vacas magras e no auge da popularidade.
Agora, com o
risco iminente de um impeachment, mudou de ideia. Após 14 anos,
descobriu subitamente que o PMDB não é um partido puro e que Temer,
que ajudou a eleger a um dos cargos mais elevados do país, não é
digno de estar nos refletores da política nacional.
Temer e seu
bando se transformaram em meros golpistas tramando contra o povo ?
Todos membros do governo graças ao SEU voto.
2. “Meu partido lutou pelo impeachment de todos os presidentes eleitos desde a redemocratização. Mas quem pede o impeachment dele é golpista.”
Eis a
palavra de cabeceira dos defensores do governo: golpe. Segundo eles,
há um golpe no país sem tanque nas ruas, sem truculência do
Exército ou de milícias paramilitares, sem tomada do Palácio e
anunciado abertamente pelos quatro cantos. A razão? Um processo de
impeachment por crime de responsabilidade – um trâmite
previsto na Constituição e referendado pelo Supremo Tribunal
Federal, a instância máxima da justiça brasileira que tem 8 dos
seus 11 membros indicados por governos petistas e que possibilita a
ampla defesa de todas as partes – que agora segue num
Congresso democraticamente eleito, após dois anos de investigação.
O jurista Eros Grau,
ministro aposentado do STF, traduziu esse sentimento contraditório
em carta aberta, publicada há poucos dias.
“A afirmação de que a admissão de acusação contra o presidente da República por dois terços da Câmara dos Deputados consubstancia um golpe é expressiva e desabrida agressão à Constituição, própria a quem tem plena consciência de que o presidente da República delinquiu, tendo praticado crime de responsabilidade. Quem não é criminoso enfrenta com dignidade o devido processo legal, exercendo o direito de provar não ter sido agente de comportamento delituoso. Quem procedeu corretamente não teme enfrentar o julgamento pelo Senado Federal. Já o delinquente faz de tudo procurando escapar do julgamento. A simples adoção desse comportamento evidencia delinquência.”
Lula disse
recentemente que perdeu
“várias eleições, mas não fui pra rua protestar contra quem
ganhou”. Seu discurso é compartilhado cegamente por militância.
Considerando
plenamente justificável e constitucional, o PT pediu o
impeachment
de absolutamente todos os
presidentes eleitos desde a
redemocratização do país. Organizou o Fora
Sarney, ainda em
1988, no primeiro
governo pós-ditadura militar. Articulou o impeachment de
Fernando Collor, em
1992, no primeiro
governo eleito pelo voto. Pediu o impeachment
de Itamar Franco, em
1994, num breve
governo de transição. Tentou o impeachment
novamente contra FHC, em quatro
ocasiões
diferentes em
1999, no último
governo eleito antes do PT assumir o cargo.
Quer saber
mais sobre essa história? Dá uma lida nessa
matéria.
3. “Eduardo Cunha não pode ocupar seu cargo sendo investigado. Lula é investigado e deve ser o ministro mais importante do governo.”
Que Eduardo
Cunha é um cretino profissional, disso não resta a menor dúvida.
Cunha é desses mafiosos que nós estamos acostumados a ver nos
filmes políticos e nos seriados de tv. Guarda no bolso seus
trezentos picaretas com anel de doutor, coleciona dinheiro sujo
dentro e fora do país, transforma a política numa arte para
não-amadores (e se tem uma coisa que a humanidade deve parar de
produzir é a categoria de político profissional).
Investigado
pela Lava Jato, e na oposição ao governo Dilma, Cunha se
transformou numa das figuras mais odiosas pelos defensores do
governo. E não sem razão. Atolado em denúncias, que vão de
propinas, omissão de bens e falso testemunho a acusações de
intimidação a delatores, o deputado se transformou num
folclore político repudiado pela opinião pública. E não
apenas pelos governistas, como é constantemente repetido, mas também
por quem não compactua da menor simpatia ao governo: na última
grande manifestação dos opositores à Dilma na Avenida Paulista,
como apontou
o Datafolha, ainda
que 95% das pessoas defendessem o impeachment de Dilma, 96%
queriam a cassação de Cunha.
Se receber
denúncias, no entanto, são suficientes para criar uma onda de
comoção aos governistas, que pedem insistentemente sua renúncia do
cargo de presidente da Câmara dos Deputados, quase nenhum alarde
geraram em relação a Renan Calheiros – presidente do Senado
indiciado na Lava Jato e uma das poucas vozes do PMDB favoráveis ao
governo Dilma – e ao ex-presidente Lula, que teve sua
indicação como principal ministro do governo, comemorada pela base,
prontamente atendida pelo Planalto para escapar da prisão.
O critério da
indignação seletiva? Em bom português: estar ao lado do governo.
4. “Você não pode ser machista ou homofóbico. A menos que você seja do governo.“
Se tem uma coisa que as escutas reveladas pela Lava Jato
envolvendo Lula mostraram ao país, é que o ex-presidente não
passa de um troglodita típico, com uma
vasta coleção de
falas de cunho machista e homofóbico. Mas isso não foi nenhuma
novidade a quem já está acostumado a ouvir mais atentamente o que
Lula tem a dizer.
No final dos
anos 70, ao
ser entrevistado
pelo jornal gay O Lampião,
Lula declarou que “não existe homossexualismo dentro da
classe operária”. Em 1981, já assumindo a presença de gays no
meio operário, quando perguntado pela Revista
do Homem sobre
o que achava sobre a homossexualidade (muito antes de ser
gravado dizendo
que Pelotas, no Rio Grande do Sul, era “cidade pólo, exportadora
de viado”), respondeu:
“Eu poderia
dar uma de presidente de partido e falar, cada um faça do seu corpo
o que bem entender, já que a terra vai comer, então que os outros
comam enquanto têm vida, mas acho que não é isso. Veja, eu não
tenho preconceito não, o cara a que chamam de homossexual no nosso
meio a gente chama de veado, mesmo. Eu sou contra isso
[homossexualidade], e não sei se é uma questão psicológica ou o
tipo de berço que a pessoa teve. E quem sabe nós sejamos os
culpados dessas pessoas serem assim, tem que entender como elas são,
e embora eu não concorde com isso acho que têm o direito de
existir, o direito de agirem da forma que julguem melhor, mesmo por
que na minha opinião a culpa é da sociedade e não delas.”
Quando
questionado se era machista pela revista, essa foi sua resposta:
“Depende, eu
gostaria de saber o que é ser machista. Vou colocar minha situação
para que entenda se isso é machismo, ou não. Muitas pessoas me
criticam pelo fato de minha mulher não ter uma participação
política como eu tenho. E eu acho que ela não tem que ter, porque
eu tenho três filhos e alguém precisa cuidar deles. Eu não posso
pagar uma empregada, assim quem tem que cuidar deles é a mulher.
Quer queira, quer não, o cara que tem uma vida política como a
minha não pode falar, bem eu vou chegar em casa pra lavar a louça,
trocar a cama, dar banho na molecada. Seria fantasia e mentira dizer
isso. Então se isso é ser machista, eu sou machista. Eu gosto de
tomar banho e que minha mulher leve a roupa pra mim no banheiro. A
Marisa ainda corta as unhas do meu pé, me espreme os cravos, trata
de mim, e eu acho que ela se sente bem fazendo isso.”
Em 2004, já
em seu primeiro mandato, para forçar o jornalista Larry Rohter e o
The New York Times a se retratarem às acusações de ele
que bebia demais no cargo, Lula
disse:
“Se eu
deixar que me chamem de bêbado sem fazer nada, daqui a pouco alguém
vai dizer que eu sou gay e vocês não vão me deixar fazer nada.”
A frase gerou
notas
de repúdio de
organizações LGBTs.
Em 2010, pouco
antes da eleição de Dilma – aquela que politicamente o
ex-presidente usava para exaltar a emancipação da mulher e
angariar votos – Lula expôs sua
opinião sobre a
submissão feminina.
“Uma mulher
não pode ser submissa ao homem por causa de um prato de comida, ela
tem que ser submissa a um parceiro porque ela gosta dele e quer viver
junto com ele.”
Agora, entre
palavrões e expressões chulas, das feministas de “grelo
duro” à
mulher que, acordada por cinco homens da polícia, pensou que
era um “presente
de Deus”, os
discursos pejorativos de Lula voltam à tona interceptados pela
justiça.
Às
feministas governistas, no entanto, nenhum problema. Para elas, o
machismo e a homofobia devem ser duramente combatidos – menos
quando são ditos por alguém do governo.
5. “Dilma irá cair porque o seu governo é direcionado a atender os mais pobres. Ainda que os mais pobres estejam ficando cada vez mais pobres.”
Para os
governistas, a queda do governo Dilma pode ser traduzida em
um único sentimento: a insatisfação de uma elite retrógrada
com o desenvolvimento dos mais pobres, que hoje viajam de
avião, estudam em escola particular e pagam por planos de saúde. Só
tem um problema nessa história – ela não faz o menor
sentido. Não apenas o governo Dilma empobreceu ainda mais aqueles
que estão na base da pirâmide, como criou políticas arrojadas para
enriquecer aqueles que estão no topo.
Dilma teve
a administração pública que mais
rendeu lucro para
os banqueiros na história do país. Não bastasse, sua grande
política econômica até aqui não passou de arrancar
dinheiro dos mais pobres
para dar empréstimos subsidiados aos mais ricos (só os
empréstimos do BNDES em 2013, de R$ 190 bilhões, superaram todos
os gastos com o
Bolsa Família desde o início do programa; 70% desses empréstimos
foram direcionados para 1% das empresas, aquelas de grande porte cujo
faturamento ultrapassa R$ 300 milhões anuais).
Os mais pobres
nisso tudo? Vivenciando um verdadeiro genocídio econômico, com
uma queda
brusca em seus salários,
na maior crise que o país já viveu, que reduz o consumo de 9
em cada 10 brasileiros
(só no ano passado, a queda da renda média da população foi
de 7,4%, com o
Nordeste liderando a catástrofe).
Você pode
não ter notado isso, mas Dilma já jogou 4
milhões de
pessoas na pobreza (a projeção é que 10
milhões de
pessoas saiam da classe C de volta à base da pirâmide até o final
desse ano, praticamente anulando as conquistas do passado). E o que
isso tudo gera? A maior taxa de desemprego dos últimos 7
anos e a
maior inflação dos últimos 12. Pra
piorar, ainda acompanha um aumento da desigualdade social no país –
e nós não testemunhávamos uma queda na renda acompanhada de
um aumento da desigualdade desde
1992, quando a
PNAD iniciou sua série histórica.
Sem
titubear, o governo Dilma entrará para a história como um dos
mais elitistas e mais perversos às classes baixas que
o país já teve. É fato consumado. Ainda assim, à esquerda que
insiste em permanecer ao seu lado, como que contaminada por uma
esquizofrenia política, não há razões para abraçar a realidade e
questionar tudo aquilo que se mantém aprisionado apenas aos
discursos. Para estar ao lado dos mais pobres, basta dizê-lo.
Dilma é
uma catástrofe sem precedentes ao país. Mas, de forma
especial, uma tragédia às periferias e favelas, aos guetos e
quebradas, à roça e o sertão, aos manos e os caipiras. E
nesse ponto da história, não há outro caminho: ou você está ao
lado do governo, ou você está ao lado de quem mais sofre graças a
ele.
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