terça-feira, 31 de maio de 2016

Sete razões pelas quais os movimentos sociais deveriam parar de defender Dilma (e uma porque defendem)


Felippe Hermes – BLOG SPOTNIKS



     Defender Dilma Rousseff nunca foi uma tarefa fácil. Sem uma trajetória política própria que a coloque como representante de idéias e grupos, Dilma sempre dependeu de características que lhe são atribuídas por terceiros para angariar a simpatia alheia. Quando eleita, era a “gerentona”, a mãe do PAC, o programa que deveria destravar a logística brasileira e fazer do crescimento econômico algo natural. Pouco mais de 5 anos depois, com o evidente fracasso do plano de crescimento elaborado, viu sua popularidade despencar, seu apoio na classe média desaparecer, e de todos os lados, apenas um grupo permanecer firme em seu apoio: os movimentos sociais.
Para alguns políticos ou militantes, associar-se ao governo Dilma é algo que deve ser feito com cautela. Nesse grupo, boa parte é composta pela chamada “oposição à esquerda” – um grupo nascido para tentar dissociar as idéias de esquerda daquelas postas em prática por Dilma, como se garantindo uma alternativa diante do resultado iminente do governo. Segundo a chamada “guinada à esquerda”, que muitos esperam de Dilma, a solução para o terceiro ano consecutivo de déficit público, causado pelos excessos de subsídios e gastos públicos em sua trajetória até aqui, seria um aumento no gasto público que faria o país crescer, melhorando a arrecadação. Opor-se à esquerda é na prática, sugerir que se tais medidas populistas não deram resultados é porque não foram profundas o suficiente – jamais porque partem de princípios errados.
    Para salvar sua pele, porém, o governo entende que não depende apenas de agradar tais grupos, mas de conquistar, ou reconquistar, o apoio da classe média, que por anos apoiou Lula e o tornou um dos presidentes mais populares da história. Na prática, a realidade é que o governo Dilma não deveria ter o apoio sequer daqueles que o apoiam. Sem contar com os cofres cheios, como Lula, colocar em prática políticas populistas e distribuir verbas em programas sociais é uma alternativa da qual Dilma não dispõe.
    Contra o impeachment, Dilma conta com o apoio de movimentos estudantis, como a União Nacional dos Estudantes, de sindicalistas como a CUT, movimentos rurais como o MST, urbanos como o MTST, feministas e inúmeros outros grupos que, ao menos em tese, deveriam defender interesses por motivações sociais. Não são poucos os grupos, no entanto, que recebem verbas do governo, ajudando a entender por que é tão usual encontrar movimentos que deixam de lado absolutamente tudo o que defendem para apoiar um governo que exerça seu mandato no sentido oposto às suas idéias.
Abaixo, listamos as 7 vezes em que Dilma Rousseff deu motivos de sobra para ser vaiada por qualquer militante brasileiro (e uma por que ela nunca foi).

1. O governo Dilma entrará para a história como o que menos colocou a reforma agrária em prática.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, a CONTAG, o impeachment de Dilma justificaria a invasão de propriedades rurais. Para o líder do MST, trata-se de caso para “pôr o exército na rua” – e por exército nesse caso, João Pedro Stédile se refere justamente ao próprio MST.
A guerra civil é uma opção para os líderes dos movimentos de trabalhadores rurais; tudo sob a justificativa de defender o governo que menos atuou para defendê-los. Em todo o ano de 2015, foram zero imóveis desapropriados com o intuito de reforma agrária, e segundo a Comissão Pastoral da Terra, nada menos do que 73% dos assentados durante o início do primeiro governo Dilma foram para assentamentos já preparados antes de sua gestão.
Dilma desapropriou nada menos do que 22,3 vezes menos imóveis do que Fernando Henrique Cardoso, que teve a própria fazenda invadida pelo MST. Foram 3.532 imóveis desapropriados em 8 anos de FHC, contra 158 nos 5 primeiros anos de Dilma (que até 02 meses atrás, não havia feito nenhum novo assentamento em 2016).
Em número de famílias assentadas, 2014 representou um recorde para Dilma: cerca de 32 mil. Em seu pior resultado, em 1995, FHC assentou 42,9 mil famílias. O pior número de Lula é de 36,3 mil famílias.
Para o Tribunal de Contas da União, porém, o esforço recente da presidente em buscar realizar desapropriações (e assim acalmar uma das suas poucas bases de apoio), não deverá prosseguir por muito tempo. O Tribunal avaliou que entre os assentados por Dilma, constam irregularidades das mais variadas, incluindo beneficiários como 1.017 políticos (847 vereadores, 96 deputados estaduais, 69 vice-prefeitos, quatro prefeitos e um senador), 37 mil pessoas falecidas, 61 mil empresários, 4.293 pessoas com alto poder de renda (pessoas que tenham carros com valor superior a R$ 70 mil, como Porche, Land Rover ou Volvo) e 213 estrangeiros. Todos recebendo lotes de terras por parte do INCRA. Em função disso, toda e qualquer desapropriação e assentamento devem ser suspensos, tornando incerto o orçamento de R$ 1,2 bilhão do INCRA para o ano, no qual constam R$ 560 milhões para prováveis desapropriações.

2. O menor ganho do salário mínimo desde o Plano Real.

Durante anos, o crescimento real do salário mínimo, obrigatório por lei há alguns anos, tornou-se a principal bandeira social do governo Lula na área do trabalho. Na prática, no entanto, obrigar que se remunere mais aqueles que ganham um salário mínimo não significou aumentar proporcionalmente o salário daqueles que já ganhavam mais de um salário antes da lei.
Durante os 8 anos do governo Lula, o salário médio na economia cresceu 23%, entre 2003 e 2009 (não há dados para 2010). Enquanto o salário mínimo cresceu 255%. Em suma, quem antes ganhava 3 salários, passou a ganhar 1. Para a propaganda do governo, porém, pouco importa – trata-se apenas da “maior valorização do salário mínimo em 5 décadas”, ainda que isso não represente dinheiro real no bolso dos trabalhadores.
Além das canetadas mágicas que fazem subir o salário minimo, o governo Dilma tem enfrentado um problema que parecia distante – a inflação. Em 2015, o índice de preços subiu 10,67%, em meio a uma recessão de 3,8% na economia. Não é difícil supor os maiores prejudicados nesta história, justamente os mais pobres.
Entre 2011 e 2015, segundo o Ipeadata, o salário mínimo decretado por Dilma, subiu de R$ 510 para R$ 880, um aumento de expressivos 72%. Na prática, porém, quando descontamos a inflação, o aumento salarial foi de 17,46% em 5 anos. Isto porque, corrigido pela inflação, o salário mínimo de R$ 510 equivaleria a R$ 746. O valor é semelhante aos 19,48% registrados no governo FHC, que ainda conviveu com inflação acima de dois dígitos em certos momentos.
A perspectiva, porém, mostra que, registrando índices negativos de crescimento em 2016 e 2017, conforme o Banco Central prevê em seu boletim Focus, o salário mínimo terá de subir, no máximo, o mesmo que a inflação, tornando o governo Dilma aquele que menos valorizou o salário mínimo desde o fim da hiperinflação.

3. Dilma foi a presidente que concedeu mais subsídios a grandes empresas.

Desde seus primeiros dias à frente do governo, Dilma Rousseff e sua equipe econômica jamais negaram que a política de crescimento defendida por ambos, tinha no crédito o seu principal pilar. Graças a esta ideia, bancos públicos tornaram-se responsáveis por 52% do crédito do país. Coube ao menor dos três, porém, o BNDES, garantir aquilo que o governo trataria por chamar de ‘política industrial’.
Aumentar o endividamento do governo, pagando juros superiores a 14,25% ao ano, e entregar tais recursos a pouco menos de mil empresas (responsáveis por 70% do crédito), ao custo de 6,5%, foi durante quase 5 anos a maior política do governo Dilma para ativar o setor privado. Nada menos do que R$ 184 bilhões foram repassados ao setor privado às custas do endividamento público.
Nomes como Odebrecht ou Andrade Gutierrez tornaram-se figura carimbada na lista de beneficiários da instituição. Hoje, com os presidentes de ambas as empresas presos, descobrimos pistas de que não foi apenas a vontade de fazer a economia crescer que motivaram o governo a liberar bilhões em crédito para obras tocadas por tais empresas (apenas a Odebrecht é responsável por 70% das obras financiadas pelo banco no exterior), mas interesses ainda menos nobres.
Considerando o piso nacional do magistério, de R$ 1.917,78 em 2015, os valores gastos pelo governo para subsidiar grandes empresas poderiam render um aumento de 83% aos 2,35 milhões de professores brasileiros durante 4 anos. Uma renda extra de R$ 78,2 mil por professor. Apesar de parte dos professores saírem às ruas em defesa de seu governo, não pareceu prioridade.

4. A pobreza voltou a crescer.

O ano de 2013 deu sinais de que o crescimento baseado em crédito poderia não sustentar por muito tempo a economia brasileira. Foi neste ano que, segundo o IBGE, a pobreza teve seu primeiro aumento em mais de uma década, e o maior aumento desde o Plano Real.
De lá para cá, uma mudança metodológica mudou nossas perspectivas. O Banco Mundial alterou as formas como se mede a pobreza no mundo, passando a considerar dados relativos ao poder de compra de 1 dólar em 2005. Neste critério, nossa pobreza caiu em 2014.
O fator crise, porém, não deixou impune a população cujo limiar da pobreza está em justamente receber benefícios do governo. A maior crise econômica da história brasileira deve resultar em números muito mais preocupantes do que uma queda de 6,3% no PIB ou uma estagnação da renda. Significará para 3,1 milhões de famílias voltar às classes D/E. O número é quase igual ao das 3,3 milhões de famílias que ascenderam à classe C entre 2006 e 2012. Ao todo, serão 10 milhões de pessoas a mais na pobreza ou extrema pobreza como consequência da crise.
Ao fim da crise, 10,7 milhões de empregos terão sido perdidos (9,2 milhões em 2016 e 1,5 milhão em 2015), e o número de desempregados baterá recordes, em boa parte porque pessoas que antes possuíam renda (seja o sustento pelos pais ou rendas como aluguéis), agora se veem na obrigação de procurar um trabalho.

5. O governo não regulamentou o uso de royalties na educação, e ainda cortou verbas da área.
A grande bandeira do governo na educação, que criou o próprio slogan do segundo governo Dilma (“Pátria Educadora”), possui metas claras e sedutoras. Em uma época onde a economia da educação mostra relações claras entre aumento de investimentos em educação e crescimento da produtividade e da renda, entregar slogans ou números mágicos, como os tais “10% do PIB para a educação”, é possivelmente uma das estratégias mais bem elaboradas no debate político dos últimos anos.
Com este slogan, o governo conseguiu criar um clima de ufanismo em torno da Petrobras. A maior estatal brasileira seria o meio de gerar o crescimento via educação. Usurpando-se portanto de uma causa sem contestação, a educação, o governo pode agir e aprovar as medidas mais intrincadas possíveis. Para isso, criou uma lei de conteúdo nacional, privilegiando empreiteiras responsáveis por construir e operar sondas, que mais tarde provaram-se superfaturadas, e inúmeros outros meios pelos quais, segundo o próprio governo, a Petrobras sairia fortalecida.
Cinco anos depois de iniciada a campanha, e quase 3 anos depois de aprovada a lei que destina os royalties para educação e saúde, porém, o Fundo Nacional do Pré-sal continua sem sair do papel. Nenhum centavo do pré-sal destinou-se à educação até agora – pelo contrário, tais recursos foram direcionados ao superávit primário.
Para fazer o ajuste fiscal, o governo não hesitou. Cortou bolsas de pós-graduação, investimentos em universidades e gastos que chegam a R$ 9 bilhões, apenas na educação. Diante da greve de 2015, concedeu reajustes menores que a inflação aos professores (24% em 4 anos, contra 10,67% de inflação apenas em 2015), e quando viu que tratava-se de medida insuficiente, reduziu novamente o orçamento da educação em R$ 4,2 bilhões em 2016.
Para a UNE, a União Nacional dos Estudantes, tais medidas possuíram pouco impacto. Ver sua principal bandeira ser jogada no lixo não impediu que a entidade enviasse ao presidente do Senado, Renan Calheiros, uma carta de apoio ao governo, contra o impeachment.

6. A diferença salarial entre homens e mulheres aumentou.

Primeira mulher a se tornar presidente da República, Dilma Rousseff conta com um natural entusiasmo dos movimentos feministas. O apoio de coletivos ao seu governo é capaz de reunir dezenas de milhares de mulheres em marchas em Brasília, ainda que suas principais pautas jamais tenham sido atendidas por ela.
Nem mesmo o fato de nunca ter tocado na pauta do aborto, ou ver seu predecessor, e mentor político, referir-se aos movimentos feministas como massa de manobra, fez o apoio pelo atual governo diminuir. Ao contrário. Em tom de ironia, muitas feministas conhecidas atenderam prontamente ao chamado de Lula para protestar em sua defesa.
Criada em 2003, a Secretaria de Políticas para as Mulheres foi durante 12 anos um órgão destinado a pensar políticas que ajudassem a resolver problemas históricos como a desigualdade salarial entre homens e mulheres, ou a violência contra a mulher. Em meio ao esforço de ajuste fiscal, Dilma extinguiu a secretaria, em março de 2015, e junto dela, seu orçamento de R$ 182 milhões.
No campo prático, porém, as políticas do governo Dilma não colaboraram para reduzir questões como a desigualdade salarial, que saiu de 11,3% em 2011, para 14,38% em 2015. Já em uma seara muito mais complicada, a da violência contra a mulher, os resultados também parecem desanimadores, com um aumento da violência domestica persistente, a despeito da Lei Maria da Penha. Neste caso, porém, é possível que haja uma distorção causada pelo aumento de denúncias, e não dos casos em si.
Na prática, o ganho às mulheres por ter uma mulher na presidência do país é NULO.

7. … E a violência contra jovens negros também aumentou.

O governo do PSDB significa o genocídio da juventude negra”, dizia um tweet compartilhado pelo perfil do ex-presidente Lula durante as eleições de 2014.
Durante mais de uma década, a juventude, em especial negros (e mais ainda aqueles em situação da pobreza), foram tratados como “coitadinhos” apadrinhados pelos governos petistas. A criação de cotas e outros mecanismos de ajuda deveriam, ao menos em tese, fortalecer a juventude negra diante das adversidades, não apenas do racismo, mas econômicas. E aconteceu exatamente o contrário: Além de vermos jovens totalmente despreparados ingressando na vida universitária, temos uma explosão demográfica cruel às custas de gravidezes irresponsáveis – na imensa maioria,de menores de idade – e a criação de gerações de completos incapazes dependentes da famigerada “Bolsa-Família”. Ou para sermos realistas, “Bolsa-Esmola”.
Pautas como o debate em torno das drogas, responsável por grande parte das mortes entre jovens no Brasil, jamais entraram na agenda do governo ao longo dos últimos anos. E no que se refere apenas aos números, há uma clara noção de que as principais causas da violência entre jovens negros, não diminui no país. Pelo contrário.
Segundo o mapa da violência, o número de assassinatos no país cresceu 7% entre 2011 e 2014. Entre 2002 e 2012, porém, ele se tornou mais seletivo. Enquanto em 2002, o número de brancos assassinados caiu de 19.846 para 14.928, o de negros assassinados anualmente no mesmo período cresceu de 29.656 para 41.127.

 
Especificamente entre os jovens negros, os assassinatos cresceram 21,3% entre 2007 e 2012. Um verdadeiro genocídio que mata 23 mil jovens negros por ano, número superior ao da guerra civil angolana, que matou 20 mil pessoas ao ano entre 1975 e 2002.

Por que defendem, afinal?
Essa pergunta deve ser direcionada a cada uma das lideranças de movimentos sociais, a cada um dos membros dessas organizações. Mas é possível enumerar uma razão que se sobressai : Ao longo dos últimos meses, enumeramos no Spotniks a quantidade de movimentos sociais que recebem dinheiro público para sustentar suas atividades – e de como essas verbas saltaram durante os governos petistas. Falamos sobre os movimentos que receberam repasses do BNDES e da Petrobras aqui, falamos da CUT aqui, da UNE aqui, do MST aqui, dos movimentos que formam opiniões à esquerda (do desarmamento à “democratização da mídia”) aqui, da classe artística aqui e aqui. Todos compartilhando duas coisas em comum: dinheiro dos pagadores de impostos e apoio irrestrito ao governo, mesmo quando esse governo rompe com todos os seus princípios ideológicos (e aqui, não raramente o apoio irrestrito é fantasiado de um “apoio crítico” cínico). Dessa forma, não resta dúvida: há um abismo entre ser parte de um movimento social e defender mudanças sociais que impactem a vida dos menos favorecidos. Quanto maior o dinheiro envolvido no bolso dos seus militantes, menor será o interesse em lutar por isso.

Cinco contradições que você está cansado(a) de ouvir de quem defende o governo Dilma

                                                                     RODRIGO DA SILVA  - BLOG SPOTNIKS

     O governo irá cair. Os cineastas irão protestar. Os funcionários públicos pelegos também. Os políticos com rabo preso e os ministros que não querem largar a boquinha seguirão pelo mesmo caminho. Líderes do movimento sem-teto abrirão passeatas, a partir de suas casas. E serão seguidos pelos líderes do movimento sem-terra, em seus caminhões.
Todos irão às ruas: sindicalistas que não trabalham, estudantes que não estudam, professores que não ensinam, jornalistas que não informam, economistas que não pesquisam, intelectuais que não pensam, eruditos que não leem, revolucionários que não lutam contra o regime.
     A rua será uma coleção dos mais diversos tipos nos próximos meses. Terá de tudo. Blogueiros independentes dependentes do governo, artistas contra a Globo que não protestam para sair da sua folha de pagamento (ou quando protestam,negam com veemência tudo o que disseram horas antes), progressistas que combatem o progresso, políticos de partidos proletários que não recebem os votos dos trabalhadores, reitores em defesa da democracia simpáticos a ditaduras de esquerda, religiosos comunistas, humoristas sem graça, representantes fidedignos da cultura popular que os populares desconhecem, consumistas críticos da sociedade de consumo, ideólogos isentos, rebeldes defensores do status quo, formadores de opinião que ninguém conhece, líderes de plebeus de classe média alta.
Todos com o mesmo objetivo: defender o governo. E não sem razão. Todos lucrando em torno de um projeto que agiganta o Estado, concedendo benefícios, privilégios e dividendos a eles mesmos – uma casta de nobres que sobrevive graças à grana fácil dos pagadores de impostos, em sua imensa maioria gente simples. De uma elite de funcionários oficiais e semi-burocratas que demoniza a diminuição dos gastos e das atribuições estatais, criando monstros neoliberais invisíveis, manipulando a opinião pública, pregando a benevolência altruísta e romantizando teorias políticas e econômicas que se provaram desastrosas no último século, apenas porque isso se traduz em manter seus privilégios e suas contas em dia. E tudo isso com o apoio de parte de uma juventude lobotomizada em sala de aula.
Todos desavergonhadamente contraditórios, incoerentes e paradoxais: pretensos líderes de uma 'intelligentsia' nacional cada vez mais entorpecida pela ignorância, partidários da histórica corrente política do farinha pouca, meu pirão primeiro. E que não raramente repete argumentos sem pé nem cabeça para sustentar suas posições injustificadas. Como as cinco a seguir.

1. “Se Dilma cair, quem assume é o cara em que eu votei pra ser vice-presidente do país. E esse cara não é uma boa pessoa.”

 
 
Nos últimos seis anos, ele saiu de casa em quatro ocasiões distintas para defender sua posição. Sempre aos domingos. Encarava as calçadas, pegava uma fila colada a uma parede, caminhava em passos lentos para prestar satisfação a uma figura que desconhecia escondida atrás de uma carteira escolar, apresentava sua identidade e seguia sua trajetória rumo a uma urna eletrônica que mais parecia uma balança de açougue.
Nela, tinha duas escolhas fundamentais em jogo. A primeira, escolher um presidente da República. A segunda, eleger seu vice, constitucionalmente limitado a atuar como um conselheiro de luxo quando convocado pela autoridade máxima do país, ou substituí-la em caso de maiores  impedimentos, como uma viagem ao exterior ou um processo de impeachment. Por quatro vezes digitou o mesmo número, azarado pela mitologia nórdica: o treze. Em duas delas, ajudou a eleger Dilma Rousseff como chefe do Executivo nacional e Michel Temer como seu vice, em prontidão para substituí-la a qualquer momento.
Assim, referendou o programa político do atual governo em mais de uma década: um projeto que contou durante todos esses anos com o PMDB como protagonista, não apenas na vice-presidência da República, em cargos ministeriais importantes e em posições estratégicas no alto escalão das maiores estatais do país, como nas decisões que ajudaram a construir os resultados do governo – nas vacas magras e no auge da popularidade.
Agora, com o risco iminente de um impeachment, mudou de ideia. Após 14 anos, descobriu subitamente que o PMDB não é um partido puro e que Temer, que ajudou a eleger a um dos cargos mais elevados do país, não é digno de estar nos refletores da política nacional.
Temer e seu bando se transformaram em meros golpistas tramando contra o povo ? Todos membros do governo graças ao SEU voto.

2. “Meu partido lutou pelo impeachment de todos os presidentes eleitos desde a redemocratização. Mas quem pede o impeachment dele é golpista.”

 

Eis a palavra de cabeceira dos defensores do governo: golpe. Segundo eles, há um golpe no país sem tanque nas ruas, sem truculência do Exército ou de milícias paramilitares, sem tomada do Palácio e anunciado abertamente pelos quatro cantos. A razão? Um processo de impeachment por crime de responsabilidade – um trâmite previsto na Constituição e referendado pelo Supremo Tribunal Federal, a instância máxima da justiça brasileira que tem 8 dos seus 11 membros indicados por governos petistas e que possibilita a ampla defesa de todas as partes – que agora segue num Congresso democraticamente eleito, após dois anos de investigação.
O jurista Eros Grau, ministro aposentado do STF, traduziu esse sentimento contraditório em carta aberta, publicada há poucos dias.
“A afirmação de que a admissão de acusação contra o presidente da República por dois terços da Câmara dos Deputados consubstancia um golpe é expressiva e desabrida agressão à Constituição, própria a quem tem plena consciência de que o presidente da República delinquiu, tendo praticado crime de responsabilidade. Quem não é criminoso enfrenta com dignidade o devido processo legal, exercendo o direito de provar não ter sido agente de comportamento delituoso. Quem procedeu corretamente não teme enfrentar o julgamento pelo Senado Federal. Já o delinquente faz de tudo procurando escapar do julgamento. A simples adoção desse comportamento evidencia delinquência.”
Lula disse recentemente que perdeu “várias eleições, mas não fui pra rua protestar contra quem ganhou”. Seu discurso é compartilhado cegamente por militância.
Considerando plenamente justificável e constitucional, o PT pediu o impeachment de absolutamente todos os presidentes eleitos desde a redemocratização do país. Organizou o Fora Sarney, ainda em 1988, no primeiro governo pós-ditadura militar. Articulou o impeachment de Fernando Collor, em 1992, no primeiro governo eleito pelo voto. Pediu o impeachment de Itamar Franco, em 1994, num breve governo de transição. Tentou o impeachment novamente contra FHC, em quatro ocasiões diferentes em 1999, no último governo eleito antes do PT assumir o cargo.
Quer saber mais sobre essa história? Dá uma lida nessa matéria.

3. “Eduardo Cunha não pode ocupar seu cargo sendo investigado. Lula é investigado e deve ser o ministro mais importante do governo.”


Que Eduardo Cunha é um cretino profissional, disso não resta a menor dúvida. Cunha é desses mafiosos que nós estamos acostumados a ver nos filmes políticos e nos seriados de tv. Guarda no bolso seus trezentos picaretas com anel de doutor, coleciona dinheiro sujo dentro e fora do país, transforma a política numa arte para não-amadores (e se tem uma coisa que a humanidade deve parar de produzir é a categoria de político profissional).
Investigado pela Lava Jato, e na oposição ao governo Dilma, Cunha se transformou numa das figuras mais odiosas pelos defensores do governo. E não sem razão. Atolado em denúncias, que vão de propinas, omissão de bens e falso testemunho a acusações de intimidação a delatores, o deputado se transformou num folclore político repudiado pela opinião pública. E não apenas pelos governistas, como é constantemente repetido, mas também por quem não compactua da menor simpatia ao governo: na última grande manifestação dos opositores à Dilma na Avenida Paulista, como apontou o Datafolha, ainda que 95% das pessoas defendessem o impeachment de Dilma, 96% queriam a cassação de Cunha.
Se receber denúncias, no entanto, são suficientes para criar uma onda de comoção aos governistas, que pedem insistentemente sua renúncia do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, quase nenhum alarde geraram em relação a Renan Calheiros – presidente do Senado indiciado na Lava Jato e uma das poucas vozes do PMDB favoráveis ao governo Dilma – e ao ex-presidente Lula, que teve sua indicação como principal ministro do governo, comemorada pela base, prontamente atendida pelo Planalto para escapar da prisão.
O critério da indignação seletiva? Em bom português: estar ao lado do governo.

4. “Você não pode ser machista ou homofóbico. A menos que você seja do governo.“

 

Se tem uma coisa que as escutas reveladas pela Lava Jato envolvendo Lula mostraram ao país, é que o ex-presidente não passa de um troglodita típico, com uma vasta coleção de falas de cunho machista e homofóbico. Mas isso não foi nenhuma novidade a quem já está acostumado a ouvir mais atentamente o que Lula tem a dizer.
No final dos anos 70, ao ser entrevistado pelo jornal gay O Lampião, Lula declarou que “não existe homossexualismo dentro da classe operária”. Em 1981, já assumindo a presença de gays no meio operário, quando perguntado pela Revista do Homem sobre o que achava sobre a homossexualidade (muito antes de ser gravado dizendo que Pelotas, no Rio Grande do Sul, era “cidade pólo, exportadora de viado”), respondeu:
“Eu poderia dar uma de presidente de partido e falar, cada um faça do seu corpo o que bem entender, já que a terra vai comer, então que os outros comam enquanto têm vida, mas acho que não é isso. Veja, eu não tenho preconceito não, o cara a que chamam de homossexual no nosso meio a gente chama de veado, mesmo. Eu sou contra isso [homossexualidade], e não sei se é uma questão psicológica ou o tipo de berço que a pessoa teve. E quem sabe nós sejamos os culpados dessas pessoas serem assim, tem que entender como elas são, e embora eu não concorde com isso acho que têm o direito de existir, o direito de agirem da forma que julguem melhor, mesmo por que na minha opinião a culpa é da sociedade e não delas.”
Quando questionado se era machista pela revista, essa foi sua resposta:
“Depende, eu gostaria de saber o que é ser machista. Vou colocar minha situação para que entenda se isso é machismo, ou não. Muitas pessoas me criticam pelo fato de minha mulher não ter uma participação política como eu tenho. E eu acho que ela não tem que ter, porque eu tenho três filhos e alguém precisa cuidar deles. Eu não posso pagar uma empregada, assim quem tem que cuidar deles é a mulher. Quer queira, quer não, o cara que tem uma vida política como a minha não pode falar, bem eu vou chegar em casa pra lavar a louça, trocar a cama, dar banho na molecada. Seria fantasia e mentira dizer isso. Então se isso é ser machista, eu sou machista. Eu gosto de tomar banho e que minha mulher leve a roupa pra mim no banheiro. A Marisa ainda corta as unhas do meu pé, me espreme os cravos, trata de mim, e eu acho que ela se sente bem fazendo isso.”

Em 2004, já em seu primeiro mandato, para forçar o jornalista Larry Rohter e o The New York Times a se retratarem às acusações de ele que bebia demais no cargo, Lula disse:
“Se eu deixar que me chamem de bêbado sem fazer nada, daqui a pouco alguém vai dizer que eu sou gay e vocês não vão me deixar fazer nada.”
A frase gerou notas de repúdio de organizações LGBTs.
Em 2010, pouco antes da eleição de Dilma – aquela que politicamente o ex-presidente usava para exaltar a emancipação da mulher e angariar votos – Lula expôs sua opinião sobre a submissão feminina.
“Uma mulher não pode ser submissa ao homem por causa de um prato de comida, ela tem que ser submissa a um parceiro porque ela gosta dele e quer viver junto com ele.”
Agora, entre palavrões e expressões chulas, das feministas de “grelo duro” à mulher que, acordada por cinco homens da polícia, pensou que era um “presente de Deus”, os discursos pejorativos de Lula voltam à tona interceptados pela justiça.
Às feministas governistas, no entanto, nenhum problema. Para elas, o machismo e a homofobia devem ser duramente combatidos – menos quando são ditos por alguém do governo.

5. “Dilma irá cair porque o seu governo é direcionado a atender os mais pobres. Ainda que os mais pobres estejam ficando cada vez mais pobres.”

 

     Para os governistas, a queda do governo Dilma pode ser traduzida em um único sentimento: a insatisfação de uma elite retrógrada com o desenvolvimento dos mais pobres, que hoje viajam de avião, estudam em escola particular e pagam por planos de saúde. Só tem um problema nessa história – ela não faz o menor sentido. Não apenas o governo Dilma empobreceu ainda mais aqueles que estão na base da pirâmide, como criou políticas arrojadas para enriquecer aqueles que estão no topo.
Dilma teve a administração pública que mais rendeu lucro para os banqueiros na história do país. Não bastasse, sua grande política econômica até aqui não passou de arrancar dinheiro dos mais pobres para dar empréstimos subsidiados aos mais ricos (só os empréstimos do BNDES em 2013, de R$ 190 bilhões, superaram todos os gastos com o Bolsa Família desde o início do programa; 70% desses empréstimos foram direcionados para 1% das empresas, aquelas de grande porte cujo faturamento ultrapassa R$ 300 milhões anuais).
Os mais pobres nisso tudo? Vivenciando um verdadeiro genocídio econômico, com uma queda brusca em seus salários, na maior crise que o país já viveu, que reduz o consumo de 9 em cada 10 brasileiros (só no ano passado, a queda da renda média da população foi de 7,4%, com o Nordeste liderando a catástrofe).
     Você pode não ter notado isso, mas Dilma já jogou 4 milhões de pessoas na pobreza (a projeção é que 10 milhões de pessoas saiam da classe C de volta à base da pirâmide até o final desse ano, praticamente anulando as conquistas do passado). E o que isso tudo gera? A maior taxa de desemprego dos últimos 7 anos e a maior inflação dos últimos 12. Pra piorar, ainda acompanha um aumento da desigualdade social no país – e nós não testemunhávamos uma queda na renda acompanhada de um aumento da desigualdade desde 1992, quando a PNAD iniciou sua série histórica.
Sem titubear, o governo Dilma entrará para a história como um dos mais elitistas e mais perversos às classes baixas que o país já teve. É fato consumado. Ainda assim, à esquerda que insiste em permanecer ao seu lado, como que contaminada por uma esquizofrenia política, não há razões para abraçar a realidade e questionar tudo aquilo que se mantém aprisionado apenas aos discursos. Para estar ao lado dos mais pobres, basta dizê-lo.
     Dilma é uma catástrofe sem precedentes ao país. Mas, de forma especial, uma tragédia às periferias e favelas, aos guetos e quebradas, à roça e o sertão, aos manos e os caipiras. E nesse ponto da história, não há outro caminho: ou você está ao lado do governo, ou você está ao lado de quem mais sofre graças a ele.

Não se engane pela propaganda. O PT sai do poder deixando um país duramente miserável

Rodrigo da Silva   (BLOG SPOTNIKS)


Dilma Rousseff foi afastada do seu mandato como presidente reprisando aquilo que o seu partido vem insistindo em dizer nos últimos anos: que transformou um país miserável num lugar de dignidade, especialmente para os mais pobres. Só tem um problema nesse discurso: ele não é real. Longe do marketing político, o Brasil permanece onde sempre esteve – ainda miseravelmente pobre, sujo e ignorante.
    Talvez você não saiba disso, mas há mais de 25 milhões de brasileiros (uma Austrália) vivendo com uma renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza, e mais de 8 milhões (uma Suíça) vivendo abaixo da linha de extrema pobreza (ou seja, na indigência). Mais da metade das casas brasileiras vivem com até um salário mínimo. E pobreza está longe de ser o nosso único problema.
Nós ainda somos um país terrivelmente ignorante. Segundo o IBGE, 39,5% das pessoas aptas a trabalhar no Brasil não possuem sequer o ensino fundamental e mais de 13 milhões de brasileiros são incapazes de ler um texto como esse pela única razão de serem analfabetos – e se você não faz ideia do que esse número significa, imagine que se somarmos a população do Uruguai, da Nova Zelândia e da Irlanda não alcançaremos a quantidade de analfabetos que existem por aqui. É muita gente.
E ainda há os analfabetos funcionais. Segundo um estudo publicado em fevereiro pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com a ONG Ação Educativa, 27% da nossa população pertence a essa categoria. Achou o número alto? De acordo com a pesquisa, apenas 8% dos brasileiros têm condições de compreender e se expressar plenamente (isto é, são capazes de entender e elaborar textos de diferentes tipos, seguindo normas gramaticais).
E não vá pensando que a língua portuguesa é o único dos nossos problemas. Segundo um estudo da ONG Todos Pela Educação, apenas 4,9% dos estudantes da rede pública saem do ensino médio com conhecimentos básicos em matemática. Em resumo: nós ainda não sabemos nos expressar direito, nem fazermos contas básicas de aritmética.
Na média, os nossos estudantes passam menos tempo numa escola que os estudantes do Irã e da Cisjordânia e os nossos professores recebem os piores salários do mundo – na penúltima posição no ranking da OCDE (no mesmo índice nós ainda “celebramos” a mais baixa média de pessoas com ensino superior e o terceiro pior índice entre os que completam o ensino médio).


    E educação é apenas uma amostra da nossa miséria. Se ela funciona muito longe do que é aceitável, com a saúde o cenário é ainda pior. Num índice elaborado pela Bloomberg que compara a expectativa de vida da população com o gasto em saúde, o Brasil está na última posição no ranking dos sistemas de saúde mais eficientes do mundo. Em geral, a nossa população sobrevive em hospitais públicos caindo aos pedaços, lidando com um número de médicos per capita muito abaixo do ideal, com falta de remédios e recursos.
    Também possuímos gargalos de terceiro mundo no saneamento básico. Segundo dados do Ministério das Cidades, mais de 35 milhões de brasileiros não possuem acesso sequer ao abastecimento de água tratada. É como se houvesse um Canadá inteiro sem uma mísera torneira jorrando água dentro de casa. De acordo com o relatório, quase 100 milhões de brasileiros não possuem acesso nem à coleta de esgoto – e do esgoto coletado, apenas 40% é tratado. 17 milhões de pessoas (uma Holanda) não têm acesso à coleta de lixo (e nunca é demais lembrar que cada brasileiro produz, em média, 1 quilo de lixo por dia) e outras 4 milhões de pessoas (uma Croácia) não possuem sequer um banheiro em casa. Já imaginou? Eis o caos do cocô.
    Também temos um déficit habitacional de 6,2 milhões de moradias (e aqui não estamos falando apenas da falta de residências, mas também de habitações em más condições), que afeta dezenas de milhões de pessoas, expostas às piores condições possíveis.
E se a infraestrutura micro é inoperante, a macro é praticamente inexistente. No índice que mede a qualidade da infraestrutura de um país, organizado pelo Fórum Econômico Mundial, nós ocupamos o vergonhoso 120º lugar em 144 posições possíveis, atrás de países como Etiópia, Suazilândia, Uganda, Camboja e Tanzânia. Só pra se ter uma ideia, dos 29.165 quilômetros de malha ferroviária que o Brasil possui, apenas um terço é produtivo. Passados quase dois séculos, o número é equivalente ao período do Império no Brasil.
 Num ranking elaborado pelo IPEA a partir da análise da qualidade do setor portuário, estamos na 123ª posição entre 134 países (todos os portos brasileiros somados movimentam menos conteineres que o porto de Hamburgo, na Alemanha). Em outro ranking, o dos países mais competitivos do mundo, estamos na 75ª posição, atrás de países como Irã, Marrocos, Ruanda e Cisjordânia – segundo o Fórum Econômico Mundial porque nossos sistemas regulatório e tributário são inadequados, nossa infraestrutura é deficiente e nossa educação é de baixa qualidade.
    O resultado inevitável disso tudo? Pobreza e baixa qualidade de vida. Hoje quatro trabalhadores brasileiros são necessários para atingir a mesma produtividade de um trabalhador norte-americano (em 1980, um brasileiro tinha produtividade equivalente a 40% da de um americano; hoje, ela está em 24%). Há dez anos, em média, ganhávamos 50% a mais que os chineses – hoje ganhamos 20% a menos.


    E isso para não falar de segurança pública. Em 2014, nós registramos o maior número de assassinatos da nossa história: foram 59.627 homicídios. Visto de outra perspectiva, o crime mata mais no Brasil do que a guerra entre Israel e Palestina, e outros confrontos bélicos ao redor do mundo. Segundo o Atlas da Violência 2016, do IPEA, nós detemos o título mundial de assassinatos no planeta. Não é pouca coisa. A taxa de homicídios por aqui é quase três vezes maior daquela que a ONU classifica como ‘epidêmica’. Ou seja, nós estamos muito abaixo daquilo que já é considerado inaceitável.
Muito longe da prosperidade, Dilma encerrou 13 anos de Partido dos Trabalhadores no controle de um país que permanece duramente miserável, ignorante, sujo e violento. Apesar da propaganda oficial, num olhar distante das nossas paixões políticas sobre a realidade, o fato é que ainda estamos muito longe de mudarmos a nossa condição subdesenvolvida, apesar das tentativas de estancarem o sangue jorrado em nossas feridas com band-aids, enaltecidas pelo antigo governo.
    A solução para resolver todos esses problemas? Certamente não virá da noite para o dia, como num passe de mágicas. Passará por reformas institucionais que abram o país para o comércio internacional, diminuam o inchaço da máquina pública, aumentem os investimentos em infraestrutura e ampliem os direitos de propriedade (e se você quer entender mais a respeito, dediquei quase 7 mil palavras para escrever sobre esse assunto nesse texto). 
    Longe do populismo e perto dos bons incentivos econômicos.
    Chegou a hora de finalmente entrarmos no século 21 e abandonarmos o marketing político como sinônimo de verdade.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Pare de dizer que o Impeachment é golpe. Você está fazendo papel de idiota

                                                                                                
RODRIGO SILVA - BLOG SPOTNIKS

    Aconteceu em 1376. Seu nome era William Latimer. Era um nobre britânico, nascido num pequeno vilarejo em North Yorkshire chamado Scampston. Tinha um currículo invejável. Disputou grandes batalhas, serviu como Mordomo Real, foi nomeado cavaleiro da Ordem da Jarreteira, a mais antiga da Inglaterra. Naquele fatídico ano, sua sorte mudou. Acusado por deputados do Parlamento, liderados por um certo Peter de la Mare, então presidente da Câmara dos Comuns, de receber propina para liberar navios capturados, reter multas pagas ao rei e de obter dinheiro da Coroa pelo pagamento de empréstimos fictícios, foi julgado por traição, removido de suas posições na corte e preso.
Por que estou contando tudo isso? Porque o fato entrou para a história: Latimer foi o primeiro caso de impeachment que se tem notícia no Ocidente. E abriu a porteira. De 1621 até 1679, muitos dos membros da Coroa Britânica foram derrubados, entre eles o 1º duque de Buckingham (1626), o conde de Strafford (1640), o arcebispo William Laud (1642 ), o conde de Clarendon (1667) e Thomas Osborne, Conde de Danby (1678).
     O mundo político ficou bem diferente depois de todos esses eventos. Desde então, o mecanismo de impeachment é norma presente nas constituições ao redor do mundo. Virou padrão nas democracias para coibir a impunidade de pretensos autocratas, um dispositivo importante no rule of law. No Brasil, é lei, número 1079.
Nos últimos meses, a expressão ganhou força nos noticiários políticos. Você certamente já ouviu essa palavra mais de uma dúzia de vezes apenas nessa semana, atrelada a uma ideia de golpe. A associação, no entanto, é repudiada pela alta corte do país.
O processo de impeachment é previsto na Constituição e nas leis brasileiras. Não se trata de um golpe. Todas as democracias têm mecanismos de controle, e o processo de impeachment é um tipo de controle”, disse o ministro Dias Toffoli, presidente do TSE.
Não acredito que ela [Dilma] tenha dito que impeachment é golpe porque ele é previsto na Constituição”, disse a ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do Supremo.  (Mas disse,ministra. Com todas as letras).
A presidente pode perder o cargo, por exemplo, em processo de impeachment, em ação penal comum, em ação de improbidade administrativa. Nada disso é golpe. Segundo a Constituição, a legitimidade de um presidente depende de dois fatores: da sua investidura e do exercício do cargo. A investidura é a voz das urnas, mas ela não é suficiente. Há também o exercício, a presidente tem que se legitimar o tempo todo. Se se deslegitima, perde o cargo, nos casos dos artigos 85 e 86 da Constituição”, disse Ayres Britto, ex-ministro do Supremo, que presidiu o STF durante boa parte do processo do mensalão.

NÃO-VAI-TER-GOLPE
      Quantos desses idiotas sabem o significado da palavra DEMOCRACIA ?  Acertou: NENHUM


A julgar o escândalo público toda vez que a expressão impeachment é utilizada, é possível acreditar que essa é uma palavra pouco usual em nossas discussões em torno do posto mais elevado do país. Mas a ideia é falha. E basta um convite à nossa história recente para desmascará-la.
Lula disse há poucos dias que perdeu “várias eleições, mas não fui pra rua protestar contra quem ganhou”. Mas o fato não procede. Considerando plenamente justificável e constitucional, o PT pediu o impeachment de absolutamente todos os presidentes eleitos desde a redemocratização do país. Organizou o Fora Sarney, ainda em 1988, no primeiro governo pós-ditadura militar. Articulou o impeachment de Fernando Collor, em 1992, no primeiro governo eleito pelo voto. Pediu o impeachment de Itamar Franco, em 1994, num breve governo de transição. Tentou o impeachment novamente contra FHC, em quatro ocasiões diferentes em 1999, no último governo eleito antes do PT assumir o cargo.
As tentativas faziam sentido para o partido. Para Lula, a prática decorrente do impeachment poderia ser a “salvação da lavoura” para os problemas políticos do país. Após a saída de Fernando Collor do poder, era isso que ele defendia na televisão:
Pela primeira vez na América Latina, o povo brasileiro deu a demonstração de que é possível o mesmo povo que elege um político, destituir esse político. Eu peço a Deus que nunca mais esqueça essa lição. Aliás, na Constituinte nós defendíamos uma tese de que na hora que o povo vota num candidato a deputado ou vereador, e depois de um determinado tempo esse vereador não está cumprindo com aquilo que era o programa durante a campanha, que os mesmos eleitores que elegeram a pessoa poderiam destituir a pessoa. Se a gente conseguisse isso, seria a salvação da lavoura nesse país.”


                                       Nada como um dia depois  do outro,não é ?

    Na Venezuela, Hugo Chávez, antes de ser eleito (e morrer num cargo que até hoje permanece nas mãos de seu partido), tratava o impeachment com a mesma reverência – como o retrato fiel de uma “democracia verdadeira, mais autêntica”. Quando questionado se estaria disposto a entregar o cargo depois de cinco anos, por uma emissora de televisão dedicada à comunidade hispano-americana nos Estados Unidos, ainda em 1998, respondeu:
Claro que estou disposto a entregá-lo. Não apenas depois de cinco anos, eu já disse que inclusive antes. Porque nós vamos propor aqui uma reforma constitucional, uma transformação do sistema político para termos uma democracia verdadeira, mais autêntica. Se, por exemplo, eu, aos dois anos, provo que sou um fiasco, um fracasso, ou que cometi um delito, um feito de corrupção, ou algo que justifique a minha saída do poder antes dos cinco anos, eu estaria disposto a fazê-lo.”
Poucos meses depois, no Brasil, FHC, então vítima de um grampo ilegal em conversas com o presidente do BNDES, André Lara Resende, gerou comoção nos amigos tupiniquins de Chávez. No telefonema, revelado pela Folha, o tucano autorizava Lara Resende a usar seu nome para pressionar um fundo de pensão estatal a entrar em um dos consórcios participantes do leilão de privatização da Telebrás. A ilegalidade do grampo pouco incomodou o partido que hoje se escandaliza ante a legalidade dos grampos revelados do ex-presidente Lula, que registraram conversas suas com a presidente Dilma.
O Congresso não pode se omitir com o nível de detalhes da reportagem da Folha. As fitas falam por si”, disse o então líder do PT na Câmara, José Genoino.
O governo parece até uma quadrilha. Todo dia tem uma pessoa ligada ao presidente envolvida em alguma falcatrua”, disse Lula à época, avaliando como insustentável a situação de FHC e considerando inadmissível o comportamento revelado pelo grampo. “Não é possível assistir calado ao governo Fernando Henrique destruir o país. Vivemos uma crise moral e ética sem precedentes. Por muito menos o Collor sofreu um impeachment e o Nixon renunciou”, dizia o ex-presidente.

Na Esplanada dos Ministérios, em 1999, Brizola e Lula fazem o "V" da vitória para a queda de FHC.
    Na Esplanada dos Ministérios, em 1999, Brizola e Lula fazem o “V” da vitória para a queda de FHC.


    Aos olhos do PT, a retirada de FHC era a única saída possível, dentro da democracia, para contornar os descasos do governo. Tarso Genro, ex-Ministro da Justiça do governo Lula que hoje acusa uma tentativa de golpe contra Dilma, declarou na época que FHC deveria renunciar e propor ao Congresso uma emenda constitucional convocando novas eleições presidenciais. Num artigo, publicado em 1999, o ex-governador do Rio Grande do Sul comentou a reação dos tucanos à sua proposta:
O governo reagiu imediatamente. Articulou uma pesada ofensiva na imprensa —em curso—, que envolve desde manifestação do presidente, por intermédio do seu porta-voz oficial, editoriais nos jornais tradicionalmente alinhados e iradas manifestações de articulistas “independentes”, até uma operação destacando parlamentares e “intelectuais orgânicos” do bloco conservador, para produzirem artigos e concederem entrevistas visando desconstituir a sugestão que apresentei a Fernando Henrique.
Acusam a proposta de “desestabilizadora” e qualificam-na de “golpista”. Vejamos: o instrumento proposto —emenda constitucional— é exatamente o mesmo utilizado por Fernando Henrique para viabilizar sua reeleição. Portanto, inscreve-se nos marcos da Constituição e não fere nenhum princípio democrático, conforme reconhecem destacados juristas do país, como Eros Grau e Celso Antonio Bandeira de Mello.
(…) Diante desse quadro dramático, do agravamento inexorável da crise, da frustração irremediável da generosa expectativa da nação, dos riscos de rompimento do tecido social e da possibilidade da opção pela “via autoritária” —tão sedutora para as elites—, a sociedade civil precisa mobilizar-se rapidamente para sensibilizar o Congresso e chamar o presidente à razão.”
Soa familiar? O PT não era o único a pensar dessa forma. A deputada federal Jandira Feghali, do PCdoB, que hoje se escandaliza com a ideia de levar Dilma ao impedimento do cargo, tratava essa como a única possibilidade para salvar o país do governo FHC. Quando questionada num programa de televisão se o impeachment não era uma ameaça à democracia brasileira, respondeu:
Gente, eu to ouvindo aqui algumas coisas que chamam atenção. Primeiro, esse negócio de voto de confiança no governo. Esse governo tem mais condição de ter voto de confiança de alguém? Pedir voto de confiança? O povo já deu. Deu na primeira eleição, deu na segunda em cima de uma plataforma que absolutamente não era verdadeira. O governo não expôs pra população no momento da campanha o que estava pra acontecer. Foi estelionato eleitoral aberto. O que é dar voto de confiança? É perder emprego? É morrer na porta do hospital? É ter um salário mínimo aumentando o quê? Cinco reais ou dois reais? É perder o emprego dentro do estado do funcionalismo público? É entregar a Petrobras? O que é dar voto de confiança hoje? Não tem mais que dar voto de confiança. As pessoas morreram nesse país, a renda não melhorou, a concentração de renda aumentou, por isso que nós temos que construir essa saída também nas ruas.”
    Assim, aos olhos dos governistas, impeachment nunca foi uma expressão utilizada como golpe até a entrada do PT no poder. Presente na Constituição, o mecanismo foi usado para mobilizar as ruas, artistas, intelectuais, setores da imprensa e o Congresso, para derrubar diferentes presidentes, por diferentes razões.
    Dessa forma, o cenário é inescapável. No momento em que passarmos a aceitar impeachment como um golpe, como gritam os governistas, bastará uma breve visita à história para atestar o óbvio: o Partido dos Trabalhadores é a maior organização golpista que o Brasil já teve.