Rodrigo da Silva (BLOG SPOTNIKS)
Dilma Rousseff foi afastada do seu mandato
como presidente reprisando aquilo que o seu partido vem insistindo em
dizer nos últimos anos: que transformou um país miserável num
lugar de dignidade, especialmente para os mais pobres. Só tem
um problema nesse discurso: ele não é real. Longe do
marketing político, o Brasil permanece onde sempre esteve – ainda
miseravelmente pobre, sujo e ignorante.
Talvez você
não saiba disso, mas há mais de 25
milhões de brasileiros (uma Austrália) vivendo com
uma renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza, e mais
de 8 milhões (uma Suíça) vivendo abaixo da linha de extrema
pobreza (ou seja, na indigência). Mais
da metade das casas brasileiras vivem com até um salário
mínimo. E pobreza está longe de ser o nosso único problema.
Nós ainda
somos um país terrivelmente ignorante. Segundo o IBGE,
39,5% das pessoas aptas a trabalhar no Brasil não possuem
sequer o ensino fundamental e mais de 13
milhões de brasileiros são incapazes de ler um texto
como esse pela única razão de serem analfabetos – e se
você não faz ideia do que esse número significa, imagine que se
somarmos a população do Uruguai, da Nova Zelândia e da Irlanda não
alcançaremos a quantidade de analfabetos que existem por aqui.
É muita gente.
E ainda há os
analfabetos funcionais. Segundo um
estudo publicado em fevereiro pelo Instituto
Paulo Montenegro em parceria com a
ONG Ação Educativa,
27% da nossa população pertence a essa categoria. Achou o número
alto? De acordo com a pesquisa, apenas 8%
dos brasileiros têm condições de compreender e se expressar
plenamente (isto é, são capazes de entender e elaborar textos de
diferentes tipos, seguindo normas gramaticais).
E não vá
pensando que a língua portuguesa é o único dos
nossos problemas. Segundo um
estudo da ONG Todos Pela
Educação, apenas 4,9% dos
estudantes da rede pública saem do ensino médio com
conhecimentos básicos em matemática. Em resumo: nós ainda não
sabemos nos expressar direito, nem fazermos contas básicas de
aritmética.
Na média, os
nossos estudantes passam
menos tempo numa escola que os estudantes do Irã e
da Cisjordânia e os nossos professores recebem os piores
salários do mundo – na penúltima
posição no ranking da OCDE (no mesmo índice nós ainda
“celebramos” a
mais baixa média de pessoas com ensino superior e o terceiro pior
índice entre os que completam o ensino médio).
E educação é
apenas uma amostra da nossa miséria. Se ela funciona muito longe do
que é aceitável, com a saúde o cenário é ainda pior. Num índice
elaborado pela Bloomberg que compara a expectativa de vida da
população com o gasto em saúde, o Brasil está na última
posição no ranking dos sistemas de saúde mais eficientes do mundo.
Em geral, a nossa população sobrevive em hospitais públicos caindo
aos pedaços, lidando com um número de médicos per capita
muito
abaixo do ideal, com falta
de remédios e recursos.
Também
possuímos gargalos de terceiro mundo no saneamento básico. Segundo
dados do Ministério das Cidades, mais de 35 milhões de
brasileiros não possuem acesso sequer ao abastecimento de água
tratada. É como se houvesse um Canadá inteiro sem uma mísera
torneira jorrando água dentro de casa. De acordo com o relatório,
quase 100 milhões de brasileiros não possuem acesso nem à
coleta de esgoto – e do esgoto coletado, apenas 40% é tratado. 17
milhões de pessoas (uma Holanda) não têm acesso à coleta de
lixo (e nunca é demais lembrar que cada brasileiro produz, em média,
1
quilo de lixo por dia) e outras 4 milhões de pessoas
(uma Croácia) não
possuem sequer um banheiro em casa. Já imaginou? Eis o caos do
cocô.
Também temos
um déficit habitacional de 6,2
milhões de moradias (e aqui não estamos falando apenas da falta
de residências, mas também de habitações em más condições),
que afeta dezenas de milhões de pessoas, expostas às piores
condições possíveis.
E se a
infraestrutura micro é inoperante, a macro é
praticamente inexistente. No
índice que mede a qualidade da infraestrutura de um país,
organizado pelo Fórum Econômico Mundial, nós ocupamos o
vergonhoso 120º lugar em 144 posições possíveis, atrás de
países como Etiópia, Suazilândia, Uganda, Camboja e Tanzânia. Só
pra se ter uma ideia, dos 29.165
quilômetros de malha ferroviária que o Brasil possui, apenas um
terço é produtivo. Passados quase dois séculos, o número
é equivalente ao período
do Império no Brasil.
Num
ranking elaborado pelo IPEA a partir da análise da
qualidade do setor portuário, estamos na 123ª posição entre 134
países (todos
os portos brasileiros somados movimentam menos conteineres que o
porto
de Hamburgo, na Alemanha). Em outro ranking, o dos países
mais competitivos do mundo, estamos na 75ª posição, atrás de
países como Irã, Marrocos, Ruanda e Cisjordânia – segundo
o Fórum Econômico Mundial porque nossos sistemas
regulatório e tributário são inadequados, nossa infraestrutura é
deficiente e nossa educação é de baixa qualidade.
O resultado
inevitável disso tudo? Pobreza e baixa qualidade de vida.
Hoje quatro
trabalhadores brasileiros são necessários para atingir a mesma
produtividade de um trabalhador norte-americano (em 1980, um
brasileiro tinha produtividade equivalente a 40% da de um americano;
hoje, ela está em 24%). Há dez anos, em média, ganhávamos 50% a
mais que os chineses – hoje ganhamos 20%
a menos.
E isso para
não falar de segurança pública. Em 2014, nós registramos o maior
número de assassinatos da
nossa história: foram 59.627 homicídios. Visto de outra
perspectiva, o crime mata
mais no Brasil do que a guerra entre Israel e Palestina, e
outros confrontos bélicos ao redor do mundo. Segundo o Atlas
da Violência 2016, do IPEA, nós detemos o título mundial de
assassinatos no planeta. Não é pouca coisa. A taxa de homicídios
por aqui é quase
três vezes maior daquela que a ONU classifica como
‘epidêmica’. Ou seja, nós estamos muito abaixo daquilo que já
é considerado inaceitável.
Muito longe da
prosperidade, Dilma encerrou 13 anos de Partido dos
Trabalhadores no controle de um país que permanece duramente
miserável, ignorante, sujo e violento. Apesar da propaganda oficial,
num olhar distante das nossas paixões políticas sobre a
realidade, o fato é que ainda estamos muito longe de mudarmos a
nossa condição subdesenvolvida, apesar das tentativas de
estancarem o sangue jorrado em nossas feridas com band-aids,
enaltecidas pelo antigo governo.
A solução
para resolver todos esses problemas? Certamente não virá da noite
para o dia, como num passe de mágicas. Passará por reformas
institucionais que abram o país para o comércio internacional,
diminuam o inchaço da máquina pública, aumentem os investimentos
em infraestrutura e ampliem os direitos de propriedade (e se você
quer entender mais a respeito, dediquei quase 7 mil palavras para
escrever sobre esse assunto nesse
texto).
Longe do
populismo e perto dos bons incentivos econômicos.
Chegou a hora
de finalmente entrarmos no século 21 e abandonarmos
o marketing político como sinônimo de verdade.
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