(RODRIGO
DA SILVA - BLOG SPOTNIKS)
Imagine que há mais de cem
mil cargos de
confiança. 1/4
disso é o crème de la crème, os chamados cargos de Direção e
Assessoramento Superior (DAS), o grande filé que todos aqueles seus
companheiros sonham. A caneta é sua aqui. Em pouco tempo você irá
perceber que lotear todos esses cargos premiando seus filiados é a
mesma coisa que influenciar a distribuição de recursos – ou seja,
favorecer aliados ou regiões que lhe permitiram alcançar aquela
cadeira, alimentando não apenas a sua própria posição enquanto
líder de grupo, mas aumentando o poder do seu partido. Não é de se
espantar que tanta gente busque carreira na política, não é mesmo?
Há uma imensa vaca gorda na sua frente jorrando leite, sustentada
através do dinheiro de milhões de pessoas. Que um grupo de sujeitos
se organize para abocanhar a maior parte disso tudo, incentivado por
seus próprios interesses – como, aliás, em qualquer outra área
de atividade humana – não chega a ser uma grande surpresa.
Como alcançar o controle dessa máquina de fazer dinheiro e
poder? Através do voto, num concurso de ideias aberto a milhões de
pessoas. Esse é o alicerce da democracia representativa: você se
inscreve numa competição com outros candidatos em poder de
igualdade, prometendo soluções e desconstruindo as ideias
apresentadas por seus competidores, e então torce para que a maioria
das pessoas depositem suas confianças numa foto três por quatro sua
numa urna eletrônica. Todos aqueles caras que formam a sua base saem
por aí influenciando o resultado final.
Foi
exatamente nesse cenário que a presidente Dilma foi eleita na última
grande corrida à maquina. Com um porém, no entanto: fraudando a
lógica do concurso.
Não existe muito mistério daquilo que se entende como eleição
democrática. Democracia é um regime político onde todos os
cidadãos com poder de voto participam com o mesmo peso na
elegibilidade dos candidatos com as melhores propostas. Acontece que
quando um político surge pincelando um retrato torto da realidade,
prometendo soluções impossíveis, ignorando o mundo real, omitindo
informações e maquiando dados oficiais de sua própria gestão, sua
eleição se dá exclusivamente através de um estelionato, um golpe
realizado à luz da democracia, construído para arrebatar milhões
de incautos. E nesse cenário tudo é possível – a eleição
abandona a natureza daquilo que é real para abraçar o mundo da
fantasia, e a discussão política vira mera obra de ficção,
literatura fantástica. Uma fraude.
De fato, como parece inegável nesse
momento, não foram as ideias e propostas de Dilma as responsáveis
por elegê-la. Dilma foi eleita graças a uma releitura fraudulenta
da realidade de seu governo e de seus adversários. Em sua
propaganda, Aécio era um filhinho
de papai,
machista,
que cheirava
cocaína, batia
na mulher,
arriscava retirar
direitos sociais,
defendia que os jovens estivessem
na cadeia ao invés
das escolas, ameaçava
a democracia,
defendia
a escravidão, o
genocídio
da juventude negra
e pregava ódio
contra os nordestinos.
Marina Silva não deixava por menos – era uma serviçal dos
interesses
dos banqueiros,
tinha desvio
de caráter,
ameaçava tirar comida da mesa
dos mais pobres e
acabar
com os programas sociais,
era simpática
à ditadura militar
e cumpria um script que logo a transformaria numa versão
feminina de
Fernando Collor.
E não apenas isso. Para Dilma, que
entra para a história como a responsável por conduzir os piores
números de crescimento econômico em toda era republicana, o país
atravessava um grande momento e quem dissesse o contrário praticava
o mero exercício de pessimismo. Numa entrevista
à Valor durante
as eleições, a então candidata dizia que o Brasil iria bombar em
2015 – mesmo que a realidade apontasse para o caminho contrário.“É
absurda a previsão de que o Brasil vai explodir em 2015. É um país
estável, economicamente forte, uma economia sólida, um baita
agronegócio. O Brasil vai bombar.”Também dizia que não
aumentaria os impostos,
nem a taxa
básica de juros,
nem a inflação
– medidas frontalmente desmentidas pouco tempo após o resultado
eleitoral. Além disso, assegurava manter todos os direitos
trabalhistas (“nem
que a vaca tussa”),
o emprego
e a renda. Novas
regras no acesso a benefícios previdenciários, no entanto, adotadas
ainda em 2014,
aumentariam o tempo de trabalho para requerer o seguro-desemprego e a
pensão por morte. Não bastasse, o Brasil se tornaria líder
em desemprego no
mundo (podendo ter quase 1
em cada 5 novos
desempregados do planeta em 2017, segundo a Organização Mundial do
Trabalho), e viu a renda média da população despencar 7,4%
em 2015, reduzindo o poder de consumo de 9
em cada 10 brasileiros.Dilma
também prometia ampliar o acesso
à saúde e
transformar o país numa Pátria
Educadora. Seu
governo, porém, não demoraria muito tempo para realizar cortes
bilionários em
ambos os setores –
apenas em 2015 foram 32%
na saúde e 10%
na educação (e
isso pouco a intimida, pelo contrário – nessa semana, Dilma voltou
a acusar
Michel Temer de planejar, assim como ela, fazer cortes nessas
pastas). Com o FIES, praticou estelionato eleitoral clássico para
angariar o voto dos mais jovens: cortou o programa pela
metade assim que
foi eleita.E angariar votos omitindo e falsificando informações
oficiais, enganando parte considerável do eleitorado e fraudando a
lisura do processo democrático, não seria o bastante. Dilma foi
além: usou a própria máquina pública, monopolizada em sua
campanha, para obter vantagens injustificadas na corrida eleitoral.
Foi isso que acusou
o Tribunal de Contas da União, apontando irregularidades no uso dos
Correios, que em 2014 viabilizou a entrega, sem chancela ou
comprovante de postagem, de ao menos 4,8 milhões de santinhos seus.
A presidente também vem sendo sistematicamente acusada de ter
praticado caixa
dois, recebendo
dinheiro ilegal de empreiteiras para dar um gás em sua campanha em
troca de obras públicas superfaturadas. Eleita com 38%
dos votos totais,
Dilma emplacou seu segundo mandato presidencial deturpando a lógica
do processo democrático: usando da máquina pública para obter
vantagens ilegais sobre seus adversários; praticando caixa dois de
campanha; aumentando em mais de 800%
os gastos com propaganda oficial do Minha Casa, Minha Vida,
carro-chefe de sua candidatura, às vésperas da eleição;
denegrindo as acusações da Lava Jato como mero “terrorismo
eleitoral”,
fingindo que sua administração não tinha nada a ver com os
descasos na Petrobras; mentindo deliberadamente a respeito do cenário
em que o país vivia e sobre os projetos que articulava, inventando
factoides de cunho pessoal e conspiratório para denegrir seus
adversários, tratando toda oposição como mero resultado da
maquinação das elites contra o povo brasileiro e emburrecendo o
debate político. Passados quase dois anos de sua eleição, sobra
pouca coisa de factual e sólida a respeito de quem se apresentava
para receber os votos da população. Dilma é um resultado do
marketing político. Sua figura em campanha e no exercício do poder
são dois seres absolutamente distintos, que se enlaçam apenas na
falta de respeito pela coisa pública. A primeira foi eleita para
governar a terra encantada do nunca. A segunda alcançou o poder
rasgando a lógica que rege a democracia. Ambas cairão de mãos
dadas para o esgoto da história.
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