Defender Dilma Rousseff nunca foi uma tarefa
fácil. Sem uma trajetória política própria que a coloque como
representante de idéias e grupos, Dilma sempre dependeu de
características que lhe são atribuídas por terceiros para
angariar a simpatia alheia. Quando eleita, era a “gerentona”, a
mãe do PAC, o programa que deveria destravar a logística
brasileira e fazer do crescimento econômico algo natural. Pouco
mais de 5 anos depois, com o evidente fracasso do plano de
crescimento elaborado, viu sua popularidade despencar, seu apoio na
classe média desaparecer, e de todos os lados, apenas um grupo
permanecer firme em seu apoio: os movimentos sociais.
Para
alguns políticos ou militantes, associar-se ao governo Dilma é algo
que deve ser feito com cautela. Nesse grupo, boa parte é
composta pela chamada “oposição à esquerda” – um grupo
nascido para tentar dissociar as idéias de esquerda daquelas postas
em prática por Dilma, como se garantindo uma alternativa diante do
resultado iminente do governo. Segundo a chamada “guinada
à esquerda”, que muitos esperam de Dilma, a solução para o
terceiro ano consecutivo de déficit público, causado pelos excessos
de subsídios e gastos públicos em sua trajetória até aqui, seria
um aumento no gasto público que faria o país crescer, melhorando a
arrecadação. Opor-se à esquerda é na prática, sugerir que se
tais medidas populistas não deram resultados é porque não foram
profundas o suficiente – jamais porque partem de princípios
errados.
Para
salvar sua pele, porém, o governo entende que não depende
apenas de agradar tais grupos, mas de conquistar, ou reconquistar, o
apoio da classe média, que por anos apoiou Lula e o tornou um
dos presidentes mais populares da história. Na prática, a realidade
é que o governo Dilma não deveria ter o apoio sequer daqueles que o
apoiam. Sem contar com os cofres cheios, como Lula, colocar em
prática políticas populistas e distribuir verbas em programas
sociais é uma alternativa da qual Dilma não dispõe.
Contra
o impeachment, Dilma conta com o apoio de movimentos estudantis, como
a União Nacional dos Estudantes, de sindicalistas como a CUT,
movimentos rurais como o MST, urbanos como o MTST, feministas e
inúmeros outros grupos que, ao menos em tese, deveriam defender
interesses por motivações sociais. Não são poucos os grupos, no
entanto, que recebem verbas do governo, ajudando a entender por que é
tão usual encontrar movimentos que deixam de lado absolutamente tudo
o que defendem para apoiar um governo que exerça seu mandato no
sentido oposto às suas idéias.
Abaixo,
listamos as 7 vezes em que Dilma Rousseff deu motivos de sobra para
ser vaiada por qualquer militante brasileiro (e uma por que ela nunca
foi).
1. O governo Dilma entrará para a história como o que menos colocou a reforma agrária em prática.
Para
o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Agricultura, a CONTAG, o impeachment de Dilma justificaria a invasão
de propriedades rurais. Para o líder do MST, trata-se de caso para
“pôr o exército na rua” – e por exército nesse caso, João
Pedro Stédile se refere justamente ao próprio MST.
A
guerra civil é uma opção para os líderes dos movimentos de
trabalhadores rurais; tudo sob a justificativa de defender o governo
que menos atuou para defendê-los. Em todo o ano de 2015, foram zero
imóveis desapropriados
com o intuito de reforma agrária, e segundo a Comissão Pastoral da
Terra, nada menos do que 73% dos assentados durante o início do
primeiro governo Dilma foram para
assentamentos já preparados antes de sua gestão.
Dilma
desapropriou nada menos do que 22,3
vezes menos
imóveis do que Fernando Henrique Cardoso, que teve a própria
fazenda invadida pelo MST. Foram 3.532 imóveis desapropriados em 8
anos de FHC, contra 158 nos 5 primeiros anos de Dilma (que até 02
meses atrás, não havia feito nenhum novo assentamento em
2016).
Em
número de famílias assentadas, 2014 representou um recorde para
Dilma: cerca de 32 mil. Em seu pior resultado, em 1995, FHC assentou
42,9 mil famílias. O pior número de Lula é de 36,3 mil
famílias.
Para
o Tribunal de Contas da União, porém, o esforço recente da
presidente em buscar realizar desapropriações (e assim acalmar uma
das suas poucas bases de apoio), não deverá prosseguir por muito
tempo. O Tribunal avaliou que entre os assentados por Dilma, constam
irregularidades
das mais variadas, incluindo beneficiários como 1.017 políticos
(847 vereadores, 96 deputados estaduais, 69 vice-prefeitos, quatro
prefeitos e um senador), 37 mil pessoas falecidas, 61 mil
empresários, 4.293 pessoas com alto poder de renda (pessoas que
tenham carros com valor superior a R$ 70 mil, como Porche, Land Rover
ou Volvo) e 213 estrangeiros. Todos recebendo lotes de terras por
parte do INCRA. Em função disso, toda e qualquer desapropriação e
assentamento devem ser suspensos, tornando incerto o orçamento de R$
1,2 bilhão do INCRA para o ano, no qual constam R$ 560 milhões para
prováveis desapropriações.
2. O menor ganho do salário mínimo desde o Plano Real.
Durante
anos, o crescimento real do salário mínimo, obrigatório por lei há
alguns anos, tornou-se a principal bandeira social do governo Lula na
área do trabalho. Na prática, no entanto, obrigar que se remunere
mais aqueles que ganham um salário mínimo não significou aumentar
proporcionalmente o salário daqueles que já ganhavam mais de um
salário antes da lei.
Durante
os 8 anos do governo Lula, o salário médio na economia cresceu 23%,
entre 2003 e 2009 (não há dados para 2010). Enquanto o salário
mínimo cresceu 255%. Em suma, quem antes ganhava 3 salários, passou
a ganhar 1. Para a propaganda do governo, porém, pouco importa –
trata-se apenas da “maior valorização do salário mínimo em 5
décadas”, ainda que isso não represente dinheiro real no bolso
dos trabalhadores.
Além
das canetadas mágicas que fazem subir o salário minimo, o governo
Dilma tem enfrentado um problema que parecia distante – a inflação.
Em 2015, o índice de preços subiu 10,67%, em meio a uma recessão
de 3,8% na economia. Não é difícil supor os maiores prejudicados
nesta história, justamente os mais pobres.
Entre
2011 e 2015, segundo o Ipeadata, o salário mínimo decretado por
Dilma, subiu de R$ 510 para R$ 880, um aumento de expressivos 72%. Na
prática, porém, quando descontamos a inflação, o aumento salarial
foi de 17,46% em 5 anos. Isto porque, corrigido pela inflação, o
salário mínimo de R$ 510 equivaleria a R$ 746. O valor é
semelhante aos 19,48% registrados no governo FHC, que ainda conviveu
com inflação acima de dois dígitos em certos momentos.
A
perspectiva, porém, mostra que, registrando índices negativos de
crescimento em 2016 e 2017, conforme o Banco Central prevê em seu
boletim Focus, o salário mínimo terá de subir, no máximo, o mesmo
que a inflação, tornando o governo Dilma aquele que menos valorizou
o salário mínimo desde o fim da hiperinflação.
3. Dilma foi a presidente que concedeu mais subsídios a grandes empresas.
Desde
seus primeiros dias à frente do governo, Dilma Rousseff e sua equipe
econômica jamais negaram que a política de crescimento defendida
por ambos, tinha no crédito o seu principal pilar. Graças a esta
ideia, bancos públicos tornaram-se responsáveis por 52% do crédito
do país. Coube ao menor dos três, porém, o BNDES, garantir aquilo
que o governo trataria por chamar de ‘política industrial’.
Aumentar
o endividamento do governo, pagando juros superiores a 14,25% ao ano,
e entregar tais recursos a pouco menos de mil empresas (responsáveis
por 70% do crédito), ao custo de 6,5%, foi durante quase 5 anos a
maior política do governo Dilma para ativar
o setor privado. Nada menos do que R$
184 bilhões
foram repassados ao setor privado às custas do endividamento
público.
Nomes
como Odebrecht ou Andrade Gutierrez tornaram-se figura carimbada na
lista de beneficiários da instituição. Hoje, com os presidentes de
ambas as empresas presos, descobrimos pistas de que não foi apenas a
vontade de fazer a economia crescer que motivaram o governo a liberar
bilhões em crédito para obras tocadas por tais empresas (apenas
a Odebrecht é responsável por 70% das obras financiadas pelo banco
no exterior), mas interesses ainda
menos nobres.
Considerando o piso nacional do magistério, de R$
1.917,78 em 2015, os valores gastos pelo governo para subsidiar
grandes empresas poderiam render um aumento de 83% aos 2,35 milhões
de professores brasileiros durante 4 anos. Uma renda extra de R$ 78,2
mil por professor. Apesar de parte dos professores saírem às ruas
em defesa de seu governo, não pareceu prioridade.
4. A pobreza voltou a crescer.
O
ano de 2013 deu sinais de que o crescimento baseado em crédito
poderia não sustentar por muito tempo a economia brasileira. Foi
neste ano que, segundo o IBGE, a pobreza teve seu primeiro aumento em
mais de uma década,
e o maior aumento desde o Plano Real.
De
lá para cá, uma mudança metodológica mudou nossas perspectivas. O
Banco Mundial alterou as formas como se mede a pobreza no mundo,
passando a considerar dados relativos ao poder de compra de 1 dólar
em 2005. Neste critério, nossa pobreza caiu em 2014.
O
fator crise, porém, não deixou impune a população cujo limiar da
pobreza está em justamente receber benefícios do governo. A maior
crise econômica da história brasileira deve resultar em números
muito mais preocupantes do que uma queda de 6,3% no PIB ou uma
estagnação da renda. Significará para 3,1
milhões
de famílias voltar às classes D/E. O número é quase igual ao das
3,3 milhões de famílias que ascenderam à classe C entre 2006 e
2012. Ao todo, serão 10 milhões de pessoas a mais na pobreza ou
extrema pobreza como consequência da crise.
Ao
fim da crise, 10,7
milhões de empregos
terão sido perdidos (9,2 milhões em 2016 e 1,5 milhão em 2015), e
o número de desempregados baterá recordes, em boa parte porque
pessoas que antes possuíam renda (seja o sustento pelos pais ou
rendas como aluguéis), agora se veem na obrigação de procurar um
trabalho.
5.
O governo não regulamentou o uso de royalties na educação, e ainda
cortou verbas da área.
A
grande bandeira do governo na educação, que criou o próprio slogan
do segundo governo Dilma (“Pátria Educadora”), possui metas
claras e sedutoras. Em uma época onde a economia da educação
mostra relações claras entre aumento de investimentos em educação
e crescimento da produtividade e da renda, entregar slogans ou
números mágicos, como os tais “10% do PIB para a educação”, é
possivelmente uma das estratégias mais bem elaboradas no debate
político dos últimos anos.
Com
este slogan, o governo conseguiu criar um clima de ufanismo em torno
da Petrobras. A maior estatal brasileira seria o meio de gerar o
crescimento via educação. Usurpando-se portanto de uma causa sem
contestação, a educação, o governo pode agir e aprovar as medidas
mais intrincadas possíveis. Para isso, criou uma lei de conteúdo
nacional, privilegiando
empreiteiras
responsáveis por construir e operar sondas, que mais tarde
provaram-se superfaturadas, e inúmeros outros meios pelos quais,
segundo o próprio governo, a Petrobras sairia fortalecida.
Cinco
anos depois de iniciada a campanha, e quase 3 anos depois de aprovada
a lei que destina os royalties para educação e saúde, porém, o
Fundo Nacional do Pré-sal continua sem sair do papel. Nenhum centavo
do pré-sal destinou-se à educação até agora – pelo contrário,
tais recursos foram direcionados ao superávit primário.
Para
fazer o ajuste fiscal, o governo não hesitou. Cortou bolsas de
pós-graduação, investimentos em universidades e gastos que chegam
a R$
9 bilhões,
apenas na educação. Diante da greve de 2015, concedeu reajustes
menores que a inflação aos professores (24% em 4 anos, contra
10,67% de inflação apenas em 2015), e quando viu que tratava-se de
medida insuficiente, reduziu novamente o orçamento da educação em
R$
4,2 bilhões
em 2016.
Para
a UNE, a União Nacional dos Estudantes, tais medidas possuíram
pouco impacto. Ver sua principal bandeira ser jogada no lixo não
impediu que a entidade enviasse ao presidente do Senado, Renan
Calheiros, uma carta de apoio ao governo, contra o impeachment.
6. A diferença salarial entre homens e mulheres aumentou.
Primeira
mulher a se tornar presidente da República, Dilma Rousseff conta com
um natural entusiasmo dos movimentos feministas. O apoio de coletivos
ao seu governo é capaz de reunir dezenas de milhares de
mulheres em marchas em Brasília, ainda que suas principais pautas
jamais tenham sido atendidas por ela.
Nem
mesmo o fato de nunca ter tocado na pauta do aborto, ou ver seu
predecessor, e mentor político, referir-se aos movimentos feministas
como massa de manobra, fez o apoio pelo atual governo diminuir.
Ao contrário. Em tom de ironia, muitas feministas conhecidas
atenderam prontamente ao chamado de Lula para protestar em sua
defesa.
Criada
em 2003, a Secretaria de Políticas para as Mulheres foi durante 12
anos um órgão destinado a pensar políticas que ajudassem a
resolver problemas históricos como a desigualdade salarial entre
homens e mulheres, ou a violência contra a mulher. Em meio ao
esforço de ajuste fiscal, Dilma extinguiu a secretaria, em março de
2015, e junto dela, seu orçamento de R$ 182 milhões.
No
campo prático, porém, as políticas do governo Dilma não
colaboraram para reduzir questões como a desigualdade salarial, que
saiu de 11,3% em 2011, para 14,38%
em 2015. Já em uma seara muito mais complicada, a da violência
contra a mulher, os resultados também parecem desanimadores, com um
aumento da violência domestica persistente, a despeito da Lei Maria
da Penha. Neste caso, porém, é possível que haja uma distorção
causada pelo aumento de denúncias, e não dos casos em si.
Na
prática, o ganho às mulheres por ter uma mulher na presidência do
país é NULO.
7. … E a violência contra jovens negros também aumentou.
“O
governo do PSDB significa o genocídio da juventude negra”, dizia
um
tweet
compartilhado pelo perfil do ex-presidente Lula durante as eleições
de 2014.
Durante
mais de uma década, a juventude, em especial negros (e mais ainda
aqueles em situação da pobreza), foram tratados como “coitadinhos”
apadrinhados pelos governos petistas. A criação de cotas e outros
mecanismos de ajuda deveriam, ao menos em tese, fortalecer a
juventude negra diante das adversidades, não apenas do racismo, mas
econômicas. E aconteceu exatamente o contrário: Além de vermos
jovens totalmente despreparados ingressando na vida universitária,
temos uma explosão demográfica cruel às custas de gravidezes
irresponsáveis – na imensa maioria,de menores de idade – e a
criação de gerações de completos incapazes dependentes da
famigerada “Bolsa-Família”. Ou para sermos realistas,
“Bolsa-Esmola”.
Pautas
como o debate em torno das drogas, responsável por grande parte
das mortes entre jovens no Brasil, jamais entraram na agenda do
governo ao longo dos últimos anos. E no que se refere apenas aos
números, há uma clara noção de que as principais causas da
violência entre jovens negros, não diminui no país. Pelo
contrário.
Segundo
o mapa da violência, o número de assassinatos no país cresceu 7%
entre 2011 e 2014. Entre 2002 e 2012, porém, ele se tornou mais
seletivo. Enquanto em 2002, o número de brancos assassinados caiu de
19.846 para 14.928, o de negros assassinados anualmente no mesmo
período cresceu de 29.656 para 41.127.
Especificamente entre os jovens negros, os assassinatos
cresceram 21,3%
entre 2007 e 2012. Um verdadeiro genocídio que mata 23 mil jovens
negros por ano, número superior ao da guerra civil angolana, que
matou 20 mil pessoas ao ano entre 1975 e 2002.
Por que defendem, afinal?
Essa
pergunta deve ser direcionada a cada uma das lideranças de
movimentos sociais, a cada um dos membros dessas organizações. Mas
é possível enumerar uma razão que se sobressai : Ao longo dos
últimos meses, enumeramos no Spotniks a quantidade de movimentos
sociais que recebem dinheiro público para sustentar suas atividades
– e de como essas verbas saltaram durante os governos petistas.
Falamos sobre os movimentos que receberam repasses do BNDES e da
Petrobras aqui,
falamos da CUT aqui,
da UNE aqui,
do MST aqui,
dos movimentos que formam opiniões à esquerda (do desarmamento à
“democratização da mídia”) aqui,
da classe artística aqui e
aqui.
Todos compartilhando duas coisas em comum: dinheiro dos pagadores de
impostos e apoio irrestrito ao governo, mesmo quando esse governo
rompe com todos os seus princípios ideológicos (e aqui, não
raramente o apoio irrestrito é fantasiado de um “apoio crítico”
cínico). Dessa forma, não resta dúvida: há um abismo entre ser
parte de um movimento social e defender mudanças sociais que
impactem a vida dos menos favorecidos. Quanto maior o dinheiro
envolvido no bolso dos seus militantes, menor será o interesse em
lutar por isso.