No papel, uma entidade privada em defesa dos
estudantes. Na prática, uma organização que defende os interesses
do governo, ainda que contrários aos seus princípios – e recebe
dinheiro público para isso.
Historicamente,
a União Nacional dos
Estudantes, que você
provavelmente conhece como UNE, ocupou um papel de oposição a
todos os governos brasileiros. Ou melhor, quase todos. Tudo mudou
quando o ex-presidente Lula chegou ao Planalto, em 2003.
De lá pra
cá, a entidade passou a receber verdadeiras montanhas de dinheiro
público que pouco ou quase nunca é fiscalizado. Em troca, sai
sempre em defesa do governo.
No início do
ano, por exemplo, a UNE mobilizou-se em defesa do governo Dilma,
apesar do corte anunciado de R$ 9 bilhões no orçamento da
Educação. Em suas pautas, a organização diz ser contra
o corte. Mas pouco se entusiasmou em fazer oposição ao ajuste.
Preferiu continuar investindo em favor do partido que governa o
país e da Petrobras.
Sim,
da Petrobras. A defesa da estatal é uma pauta antiga da
entidade. Em 2009, durante seu Congresso anual, a UNE saiu
em defesa dela. O evento, no entanto, foi bancado com recursos
da própria estatal, que doou R$
100 mil para sua organização,
e em março, repetiu
a dose, dessa vez falando também em nome da democracia e do
governo.
Não foi por
acaso: só a Petrobras já destinou R$
750 mil para a UNE ao longo
dos últimos anos. As manifestações, que eclodiram num momento em
que a estatal passa por uma enorme crise financeira, foram uma
forma de dizer “obrigado” pelo apoio no passado.
Mas, afinal,
quanto a UNE recebeu do governo nos últimos anos?
Fomos atrás
dos dados para responder essa pergunta. As informações foram
recolhidas no portal de transparência
da Petrobras, nos patrocínios
do BNDES e nos Convênios do Portal
da Transparência.
No total,
desde 2006, a UNE já recebeu R$
55,9 milhões da administração
pública, entre doações de estatais, transferências diretas e
patrocínios de ministérios. Dinheiro que saiu do seu bolso.
Lula foi o
campeão em doações: ao deixar o Planalto, a gestão do
ex-presidente havia contribuído com incríveis 97,4% de todo o
dinheiro
público que chegou até os cofres da UNE. Dilma continuou
com os repasses, mas em ritmo um pouco mais lento: foram repassados
“somente” R$ 14 milhões durante seu governo.
São cifras
impressionantes, ainda mais levando-se em conta que a organização
possui suas próprias formas de levantar fundos – como a venda de
carteirinhas (monopolizada no país) e a cobrança de entrada em
seus eventos.
O que, então,
a UNE faz com todo esse dinheiro? Boa pergunta, ninguém sabe.
Para que esse dinheiro é usado?
O dinheiro
que chega até a UNE tem diversos destinos, nem sempre voltados
para a educação.
Dos R$ 55,9
milhões que a entidade recebeu nos últimos anos, a maior parte –
R$ 44,6 milhões – veio do Ministério da Justiça, em duas
ocasiões: R$ 30 milhões em 2010 e mais 14,6 milhões em 2013.
O dinheiro
foi transferido para a entidade sob a alegação de ser uma
indenização pelo incêndio de sua sede na Praia do Flamengo,
ocorrido logo após o golpe de 1964. O
valor repassado correspondia a 6 vezes o valor de mercado do
terreno e tinha como destino a
construção de uma nova sede, no lugar da sede histórica destruída
pelos militares.
As obras, no
entanto, demoraram para sair do papel e só começaram em 2012. Um
ano depois, mais um repasse – dessa vez de R$ 14 milhões para
acelerar a construção do prédio. Mas a UNE não quis gastar esse
dinheiro: viu uma grande oportunidade de negócio sem colocar a mão
no bolso.
O terreno,
que está em nome da UNE desde 2007, fica numa região privilegiada
do Rio de Janeiro, a poucos metros do metrô e de frente para a
praia. É um lugar excepcional, do interesse de
diversos investidores interessados em explorá-lo
comercialmente por valores bem altos. E aqui, a UNE não pensou duas
vezes. O capitalismo falou mais alto.
A entidade
fez uma parceria com uma investidora, que prometeu bancar a obra
para a organização, desde que ela cedesse algumas salas para
exploração comercial. Negócio fechado.
A Torre do
Flamengo, como será chamado o edifício, custará agora R$ 65
milhões, mas ninguém sabe ao certo quanto disso será bancado
pelos 44 milhões de reais que a UNE possui em caixa. Acredita-se,
até mesmo, que a organização não precisará colocar um
centavo na obra.
O jornal O
Estado de São Paulo, que revelou essas informações em maio,
procurou contato com a UNE para entender como a
organização está aplicando esses milhões que recebeu
do governo, mas não obteve retorno. A resposta também não foi
encontrada em seu site oficial, que carece de dados sobre prestações
de contas.
Apesar
de movimentar literalmente milhões de reais de dinheiro
público, a UNE não oferece nenhuma transparência sobre seus
gastos. Alguns links antigos
sobre prestações de conta que existiam no site, encontram-se
quebrados.
A WTorre,
construtora contratada
pela UNE para a obra, também levanta suspeitas: tem como clientes
diversas estatais e ligações estranhas com o ex-ministro
Antônio Palocci. Desde maio, a empreiteira está sendo
investigada
pela força-tarefa da Operação Lava Jato, por suspeitas de que
tenha intermediado um esquema que desviou pelo menos R$ 2 milhões,
sob o comando de Palocci.
Por que a UNE esconde seus gastos?
Carina Vitral,
presidente da UNE, e Nicolás Maduro, presidente da Venezuela.
Seu histórico
pode explicar um pouco do que motiva esse mistério sobre suas
contas.
Dos
diversos projetos culturais da UNE que receberam repasse direto
do Fundo Nacional da Cultura, boa parte está há anos parado
na situação “aguardando prestação de contas”.
Em 2012, após
diversos calotes no governo, a UNE foi marcada como inadimplente
no Cadin. A ação motivou o Tribunal de Contas da União a
investigar os gastos da organização, quando foi
descoberto uma série de irregularidades.
O TCU
descobriu,
por exemplo, que alguns gastos eram comprovados com notas frias: a
UNE estava, na verdade, utilizando o dinheiro repassado pelo
Ministério da Cultura para comprar cerveja, cachaça e whisky e
outras bebidas alcoólicas. O dinheiro também foi gasto na compra
de celulares, ventiladores, velas e até búzios.
Contas de
energia e a impressão do jornal da UNE também teriam sido
custeados pelo dinheiro, que deveria ter sido gasto exclusivamente
para projetos culturais previamente selecionados.
Os problemas,
contudo, não param nos gastos. Eles começam na origem: os
repasses.
Em 2008, a
UNE recebeu um repasse de R$ 250 mil do Ministério do Esporte para
a realização de sua 6ª Bienal. Na época, a pasta era comandada
por Orlando Silva, militante do PCdoB e ex-presidente da UNE.
Além de
repassar o dinheiro, o Ministério não fez nenhum pedido de
prestação de contas à UNE. Uma solicitação desses documentos só
foi feito após o TCU encaminhar
um pedido à pasta. O TCU descobriu então que o prazo legal
para a prestação de contas, na verdade, já tinha expirado, mas o
Ministério não havia feito nenhuma notificação quanto a isso. Em
bom português: não estava dando a menor bola para a forma que
o dinheiro havia sido gasto.
Além do dinheiro repassado
pelo Ministério do Esporte, as contas de um repasses do Ministério
da Ciência e de outros 4 repasses do Ministérios da Cultura foram
declaradas como irregulares pelo TCU e uma Tomada de Contas
Especiais foi instaurada sob um repasse de R$ 2,8 milhões feito
pelo Ministério da Saúde à UNE.
Todos esses
problemas levaram a Controladoria Geral da União a impedir a
UNE de firmar novos convênios ou receber repasses da administração
pública até que a situação seja regularizada – algo que, se
depender da UNE, deve se arrastar por vários anos.
Agora, resta
saber por quanto tempo a organização ainda manterá sua linha
governista sem as verbas públicas que nos últimos 9 anos
compuseram alguns milhões consideráveis do seu orçamento.
O que fica
bem claro nisso tudo é que, se para a UNE a educação
não é mercadoria, o apoio político é. E custa caro – para
o seu bolso.
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