Muito
antes dos grampos da Operação Lava Jato exporem parte daquilo que o
ex-presidente Lula realmente diz em privado sobre outros políticos e
instituições, outros surtos de sinceridade já ajudaram a
compreender o ex-presidente muito além dos discursos e palanques. Em
um destes momentos, reunido com blogueiros pró-governo, em abril de
2014, Lula explica com certa clareza, como mentir e inventar
estatísticas sobre os governos aos quais se opunha era parte natural
do seu trabalho enquanto oposição. Sobre o próprio governo,
porém, um olhar mais atento mostra que, se não chegou a mentir,
Lula não teve em momento algum receio de contar meias-verdades ou
apropriar-se de feitos não necessariamente seus.
Muito
além de criar números inexistentes, como a alegação de que
durante seu mandato 36 milhões de brasileiros saíram da extrema
pobreza (número contestado pelo próprio Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Palácio do Planalto,
que alega terem sido 8,4 milhões), o ex-presidente viu as
estatísticas de seu governo variarem ao sabor do vento, tudo de
acordo com os caprichos dos discursos políticos.
A
prática não é exclusividade do governo de Lula. Em 2014, a FAO,
organização da ONU para a agricultura, mudou
sua metodologia para medir a fome, e como num passe de mágica,
as pessoas que passam fome no Brasil caíram de 7% para 1,4%. Pela
primeira vez na história, o Brasil saiu do “mapa da fome”.
A FAO é comandada atualmente por José Graziano, ex-ministro de Lula
e responsável por criar o “Fome Zero”.
Em
outro caso, envolvendo apenas organizações tupiniquins, o IBGE
alterou a metodologia do PIB, tornando a recessão de 2014 um
‘crescimento zero’, evitando, ao menos por enquanto, que o Brasil
tenha pela primeira vez na história 3 anos de crescimento negativo.
Por fim, no mais conhecido dos casos, o mesmo IPEA determinou
que brasileiros com renda per capita de R$ 291 pertenceriam à classe
média.
Mas
manipular números não é o bastante. Aqui, separamos as 4
mentiras mais contadas sobre o governo Lula.
1.
Nenhum país do mundo fez o que o Brasil fez na área econômica e
social.
O
bom desempenho da economia brasileira ao longo da primeira década
dos anos 2000 é ainda hoje a conquista mais comemorada por qualquer
um que busque exaltar o governo Lula. Não à toa, os bons números
da economia representam a pedra angular que explica o
crescimento de programas do governo voltados para a área social.
Graças a um aumento recorde de arrecadação (que mais do que dobrou
entre 2002 e 2010), o governo pode estar presente no cotidiano
de dezenas de milhões de pessoas.
A
conjuntura onde este crescimento se deu, porém, foi daqueles
fatos raros, poucas vezes presenciados na história brasileira. Para
ser mais exato, apenas em 1902, no grande ciclo internacional da
borracha, tivemos um país saído de ajustes internos no exato
momento em que a principal especialidade brasileira (as commodities,
em especial as agrícolas), começaram a subir de preço. Para o
Goldman Sachs, o aumento médio das commodities durante o período
foi de 723%.
Vender
o mesmo produto por quase 7 vezes mais foi uma das causas desta
riqueza em abundância.
Entre
2002 e 2010, cerca de US$ 252 bilhões em superávits comerciais
entraram na economia brasileira, inundando o país de riqueza.
O
comércio, claro, não explica todo sucesso brasileiro no período.
Atualmente, a economia brasileira é a mais fechada dentre todas as
20 maiores economias do mundo, demonstrando que apesar de termos
crescido, poderíamos ter feito mais. Boa parte da sensação de
crescimento existente no país esteve assentada no aumento do
crédito, que subiu de 23% para 46% do PIB, como consequência da
primeira estabilidade da moeda brasileira desde… 1902.
Se
compararmos a outros países, porém, o sucesso brasileiro não
foi tão expressivo. Crescemos mais do que nós mesmos, é verdade,
mas ainda assim, fomos o penúltimo colocado no continente, à frente
apenas do México.
Segundo
o FMI, em 2002, o PIB brasileiro equivalia a 3,2% do PIB mundial, já
em 2010, esta participação era de 3,18%. Em 2015 este número está
em 2,84%, demonstrando que crescemos significativamente menos
que o restante do mundo, de modo que não apenas outros países
“fizeram o que o Brasil fez”, como fizeram ainda mais.
No
campo social não é diferente. Segundo o IPEA, a pobreza no Brasil
caiu significativamente, mas o começo desta queda não foi
exatamente a eleição do ex-presidente Lula. Para o IPEA, o começo
da queda da pobreza no Brasil foi a criação do Plano Real e o fim
da inflação. Em 1992, haviam 19,1 milhões de pessoas extremamente
pobres no Brasil, contra 14,9 milhões em 2002 e 6,5 milhões em
2012. Para o instituto, além do fim da inflação, o aumento do
nível de emprego foi outro fator preponderante para a queda.
Programas sociais representam apenas 15% desta queda, contra mais de
2/3 de aumento da renda do trabalho.
Os
números brasileiros são positivos, mas nada que se distancie do
restante dos países. Entre 1990 e 2015, a pobreza caiu 50% no mundo,
e mais de 60% nos países emergentes. Os países responsáveis por
puxar a queda são justamente alguns dos mais populosos. Para o Banco
Mundial, 2035 representará o ano histórico em que a extrema pobreza
(pessoas com renda menor do que 1 dólar por dia), será extinta,
ainda que Lula não seja presidente do mundo.
2.
O Brasil pagou a dívida externa.
Assistindo
dez calotes na dívida entre 1898 e 1990 (o último), não é de
se estranhar que o brasileiro associe dívida externa à fragilidade
e problemas. Para boa parte do mundo, no entanto, dívida é uma
forma de alavancar investimentos. Ao realizar a aquisição da
cerverja SAB Miller, os brasileiros donos da AMBEV, liderados por
Jorge Paulo Lemann, recorreram a um empréstimo de US$ 47 bilhões,
pagando juros de 4,25%. O número é expressivo, a segunda maior
captação de dívida já realizada por uma empresa no mundo,
significando um valor maior do que a atual dívida externa brasileira
a um custo mais baixo.
Como
o exemplo da AB Inbev, a empresa controladora da Ambev, deixa claro,
dívida pode vir a ser uma solução, para aqueles que possuam boas
qualificações para tomar crédito, e utilizem os recursos de forma
eficiente. Ao atrair o grau de investimento em 2008, a economia
brasileira viu um boom de endividamento por parte das empresas. Para
companhias como a Globo, a companhia aérea Gol ou o frigorífico
JBS, a oportunidade de captar dinheiro no exterior fez com que
financiar as suas operações se tornasse extremamente mais barato.
Para
o governo, porém, aumentar o endividamento não pareceu uma boa
ideia. Entre 2002 e 2010 o governo brasileiro procedeu no sentido
contrário, vendendo títulos da dívida interna, aquela paga em
reais, com juros que hoje giram em torno de 14,25%, para pagar a
dívida externa, cujos juros ficam em torno de 4%. Para o governo,
realizar esta operação significou “menos turbulências”, uma
vez que a dívida externa não está sujeita à variação do dólar.
O efeito político, porém, foi notório.
Composta
por inúmeros credores, a dívida externa brasileira foi por muito
tempo associada a um único deles: o FMI. A razão para isso é
clara. Como não possui bom histórico de crédito, apenas uma
entidade se dispôs por um bom tempo a emprestar quantias
consideráveis ao Brasil – o próprio FMI. Isto ocorre porque a
entidade é financiada por outros governos, e empresta com o intuito
de influenciar a adoção de políticas comuns aos países como
exigência aos empréstimos.
O
ato político de Palocci, então Ministro da Fazenda, representou o
pagamento da dívida relativa apenas ao FMI, de US$ 15 bilhões, com
recursos oriundos da criação de uma dívida ainda mais cara, a
interna. Para a população em geral, o que contou foi livrar-se do
“grande credor”. Em nenhum momento do seu anúncio, porém,
Palocci mencionou ter conseguido os recursos por meio de outras
dívidas.
Atualmente,
a dívida externa pública gira em torno de 10% da dívida externa
total, e meros 5% da dívida do governo. O endividamento
total do governo por sua vez, está em R$ 3,6 trilhões,
implicando em juros superiores a R$ 600 bilhões anuais.
Com
reservas internacionais de US$ 374 bilhões, o governo tornou-se o
que se chama de “credor líquido’ – ou seja, possui mais caixa
do que dívida. O chamado ‘custo de carregamento’ das reservas –
o custo de pagar a dívida que garantiu os recursos para comprar
estes US$ 374 bilhões – é estimado em R$ 120 bilhões mensais.
Imagine que você tenha pago o crédito consignado com o cartão de
crédito e ainda faça propaganda de que “livrou-se das dívidas”.
Com o governo, a situação não mudou muito.
3.
O Brasil se tornou auto-suficiente na produção de Petróleo.
O
boom do petróleo, cujo preço do barril saltou incríveis 1.200% ao
longo da década de 2000, fez explodir ao redor do mundo regimes
financiados pelos ‘petrodólares’. Do Oriente Médio à America
Latina, governos enriquecidos com o dinheiro do petróleo fizeram as
mais absurdas aquisições, como uma Copa do Mundo no Qatar ou a
força aérea mais moderna do continente, detida pela Venezuela.
Para
o Brasil, que chegou a ter uma das 10 maiores empresas do mundo, o
efeito foi também expressivo, apesar da Petrobras não representar
na economia brasileira o que representa o petróleo nestes outros
países (por aqui, a cadeia de prestadores de serviços da Petrobras
esta em 20% do PIB).
Em
torno desta festa de dólares, não é de se estranhar que tenham
nascido inúmeros mitos. Poucos deles, no entanto, chegam perto do
que foi o anúncio da “auto-suficiência”. Para uma população
acostumada a acreditar que comércio exterior é algo que ‘não é
para o Brasil’, a ideia de que dependemos menos do resto do mundo
cai como uma luva.
Só
há um problema com esta ideia: ela é falsa, do início ao fim.
Entre
1953 e 1997, produzir petróleo no Brasil era uma exclusividade da
Petrobras. O monopólio do petróleo, criado por Getúlio Vargas,
garantiu que nenhuma empresa nacional ou estrangeira pudesse investir
para produzir por aqui. Como consequência de um país não
acostumado a poupar, nossa produção interna mal supria metade das
necessidades.
A
consequência do aumento do preço do barril e da permissão para
investimento privado não poderia ter consequências diferentes.
Entre
1997 e 2010, a produção de petróleo no Brasil saltou de 741 mil
para 2,271 milhões (estamos estagnados desde então). Por volta de
2005, em termos puramente numéricos, a produção e o consumo se
igualaram, motivo que levou o governo a comemorar a
‘auto-suficiência’.
Do
ponto de vista técnico ou econômico, consumo e produção nunca se
encontraram por aqui. O Brasil ainda hoje continua produzindo óleo
pesado e importando óleo leve, uma vez que nossas refinarias foram
construídas em uma época na qual importar óleo leve do Oriente
Médio era muito mais barato e eficiente do que produzir o óleo
pesado existente por aqui.
O
déficit na ‘conta petróleo’ atingiu US$ 20,3 bilhões em 2013,
e US$ 5,6 bilhões em 2015. Na prática, continuamos importando mais
do que exportando.
4.
O Brasil foi o último a entrar e o primeiro a sair da crise.
Muito
mais do que o próprio sucesso, o aparente fracasso da economia
americana foi a pá de cal que era preciso para sedimentar a idéia
de que “enfim, vencemos”. Nós estamos certos, pois continuamos
crescendo, enquanto os países ricos afundam em suas crises. Em um
misto de anti-americanismo e um revanchismo barato, o Brasil viveu
uma onda de ufanismo das mais curiosas.
Uma
análise da crise de 2008, a crise do ‘subprime’, no mercado
imobiliário americano que se alastrou pelo mundo, mostra que há
pouco ou nenhum paralelo com a maior parte das crises já enfrentadas
pelo Brasil. Trata-se da maior crise do capitalismo desde 1929, e
desta vez, nossa economia não sofreu um abalo tão grande. Em 1930 e
1931, o Brasil registrou pela primeira vez uma queda de 2 anos
seguidos no seu PIB – e isto porque a crise de 1929 fez desabar os
preços do café, nossa commoditie na época. Desta vez, porém, a
crise não impactou nos preços de mercadorias comumente vendidas
pelo Brasil, uma vez que o grande consumidor, a China, continuava a
crescer.
A
crise de 2008 foi especificamente uma crise originada pelo
sofisticado sistema financeiro internacional, um clube no qual o
Brasil, até o mesmo ano de 2008, não estava autorizado a
participar. Sem o grau de investimento, nossa participação junto ao
sistema financeiro internacional era pouca ou quase nula. Nenhum
banco brasileiro comprou em escala significativa os CDO (obrigações
de crédito colateralizada, traduzida por aqui como “derivativos”).
Nenhum banco brasileiro quebrou ou sofreu grandes prejuízos com a
crise.
Para
algumas empresas, porém, a situação foi um pouco diferente.
Perdigão e Aracruz tiveram prejuízos bilionários com os
derivativos e tiveram de ser vendidas para dar origem a outras
empresas. Nada muito relevante.
Nossa
pouca participação no epicentro da crise, de fato nos garantiu ser
um dos últimos a entrar. O motivo de termos “saído” em 2010 é
a causa mal explicada na história. Em 2008, demos início à chamada
“política dos campeões nacionais”. Cerca de R$ 450 bilhões
foram injetados no BNDES para financiar grandes obras, e o governo se
tornou um personagem mais presente na economia. O crédito por parte
de bancos públicos chegou a 52% do total. E se tudo isso lhe parece
conhecido, é porque provavelmente você já deve ter visto estas
medidas em uma análise do que é a “Nova Matriz Econômica”. A
aposta no crédito para induzir o crescimento na economia nasceu
justamente como resposta “anti-cíclica” à crise. Saímos da
crise utilizando capacidade ociosa para gerar consumo e um aparente
clima de crescimento.
O
PIB de 2010, porém, que chegou a 7,2% de crescimento, não tardou a
diminuir. Entre 2011 e 2014, registramos dia após dia uma queda no
nível de crescimento, até chegar a zero em 2014, e então os -3,8%
de 2015. Em suma, nós saímos da crise americana criando a nossa
própria crise.