" O
público brasileiro – provavelmente, toda a Humanidade – nunca
acompanhou tão de perto o processo de desenvolvimento e teste de vacinas
como agora, durante a crise global gerada pelo vírus SARS-CoV-2. Com
isso, surgem curiosidades, dúvidas e temores que o pouco que se aprende
sobre vacinações na escola não dá conta de resolver.
A lista de
perguntas e respostas abaixo tem por objetivo satisfazer muitas dessas
curiosidades, dirimir dúvidas, expor quais temores são – ou não –
justificados e mostrar como navegar essa paisagem que é tão nova para
todos os que não são profissionais de microbiologia, imunologia e
outras áreas altamente especializadas.
Um esforço
especial foi feito para reduzir ao máximo o uso de termos excessivamente
técnicos e evitar que as explicações se perdessem nas complexidades do
funcionamento do sistema imune – que é fascinante e merece um tratamento
à parte.
Como funciona uma vacina?
Todas as
vacinas seguem uma mesma lógica básica: “enganar” o sistema imune,
apresentando-lhe algo que seja inócuo, mas que desencadeie uma reação
eficaz contra o agente infeccioso, o vírus ou bactéria, que se pretende
combater. Isso pode ser feito com os próprios microrganismos inativados
(mortos), atenuados (enfraquecidos), com pedaços do microrganismo, ou
mesmo apenas com a informação genética do microrganismo. Se a estratégia
funcionar, o sistema imune “acredita” que o microrganismo está lá, e
monta uma resposta imune como se enfrentasse uma infecção de verdade.
Isso gera o que chamamos de memória imunológica. Desta forma, o corpo
fica preparado para reagir rapidamente quando se encontrar, de fato, com
o agente infeccioso. Qualquer agente – vírus, bactéria, molécula,
pedaço de molécula – que chame a atenção do sistema inume recebe o nome
de “antígeno”. O processo de vacinação consiste em introduzir no
organismo antígenos que não causem doenças, mas que o preparem para
reagir com eficiência aos que causam.
Quais tipos de vacinas estão sendo testadas contra COVID-19?
Existem várias
estratégias de vacinas sendo testadas para COVID-19. Podemos classificar
as vacinas por geração, de acordo com a tecnologia utilizada.
Vacinas de primeira geração
São as mais antigas, e já fazemos vacinas assim há mais de 70 anos.
São as vacinas que usam microrganismos inativados e microrganismos
atenuados, que não induzem doenças, mas estimulam o sistema imune. Essas
vacinas são fáceis de obter, basta cultivar o vírus ou bactéria e em
seguida inativá-lo com algum produto químico ou calor. No caso das
atenuadas, é preciso reproduzir o microrganismo várias vezes, até
encontrar uma variante que não cause doença. Algumas vezes dá para usar
um microrganismo semelhante ao desejado, que causa doença em animais e
não em humanos. Foi assim no caso da varíola, e da tuberculose. A vacina
de varíola foi feita com uma linhagem de vírus de varíola de vaca, e a
de tuberculose, a BCG, com uma bactéria de vaca também. Entre as vacinas
atenuadas no calendário vacinal temos a MMR, a tríplice viral, que
protege contra sarampo, rubéola e caxumba, a da catapora, e a de febre
amarela. Das vacinas inativadas podemos citar a vacina da raiva, e da
gripe.
Existem várias
estratégias de vacinas para COVID-19 usando estas técnicas. A vacina da
Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, é um exemplo de vacina
inativada. As vantagens incluem ser uma técnica conhecida, e fácil de
usar. Além disso, vacinas inativadas costumam ser seguras e não
apresentar efeitos colaterais graves. As desvantagens são ter que
trabalhar com o vírus inteiro, o que torna necessário a construção de
laboratórios de segurança máxima. O rendimento de doses por litro também
é baixo. Com isso, o investimento para ampliar a produção é alto. Outra
desvantagem é que dificilmente uma vacina inativada estimula por
completo o sistema imune, e por isso precisam de adjuvantes, que são
substâncias usadas para intensificar a resposta inflamatória e recrutar
mais células do sistema imune. As vezes também precisam de mais doses.
Vacinas de segunda geração
Essas vacinas
já não usam o microrganismo inteiro, mas apenas pedaços. São chamadas
vacinas de subunidades, e vão desde vacinas mais antigas que usam
toxinas desnaturadas – chamadas toxoides, como a vacina de tétano, por
exemplo –, até vacinas muito modernas, que usam proteínas purificadas.
Essas proteínas representam apenas um pedaço do microrganismo. Muitas
vacinas para COVID-19 usam por exemplo, a proteína Spike (S) inteira.
Essas são as proteínas com formato de coroa que recobrem o vírus. Ou
mesmo só uma pequena porção dessa proteína. Mas apenas isso não é
suficiente para que o sistema imune reaja bem. Essas proteínas também
requerem, portanto, algum apoio, sejam adjuvantes ou outras tecnologias,
como nanopartículas. Um exemplo bem estudado é o uso de VLPs (Virus
Like Particles) ou partículas semelhantes ao vírus, que nada mais são do
que um vírus de mentira, um “esqueleto” do vírus que exibe as proteínas
de superfície. Têm cara de vírus, têm jeito de vírus, mas não são o
vírus.
Como trabalham
só com partes dos microrganismos, essas vacinas são extremamente
seguras. Exemplos de vacinas à base de VLPs que estão no nosso
calendário são as de hepatite B e de HPV. Para COVID-19, as empresas
Novavax e Medicago estão desenvolvendo vacinas de proteínas, e aqui no
Brasil, um de nós (Gustavo Cabral de Miranda), vem desenvolvendo uma
estratégia para COVID-19 usando VLPs, assim como para outros patógenos,
como chikungunya e zika.
Vacinas de terceira geração
São as vacinas
genéticas e as vacinas vetorizadas. São técnicas modernas, e, no caso
das genéticas, que ainda nem chegaram ao mercado. Ambas são baseadas em
informação genética, mas usam estratégias diferentes.
As vacinas
vetorizadas utilizam vírus vivos, mas incapazes de causar doença porque
são inofensivos e/ou enfraquecidos. Esses vírus são usados como vetor –
veículo, uma casca – que carrega uma sequência genética que codifica uma
proteína do vírus que realmente interessa. No caso da COVID-19, um
vetor viral carrega uma sequência do SARS-CoV-2, por exemplo, os genes
que produzem a proteína S.
A maioria das
estratégias pra COVID-19 usa um tipo de vírus chamado adenovírus como
vetor. A empresa Cansino, o Instituto Gamaleya da Rússia e a J&J
usam adenovírus humanos, e a AstraZeneca/Oxford usa um adenovírus de
macaco. Já a Merck pretende usar o vírus do sarampo atenuado, exatamente
como temos na vacina do sarampo. Esses vetores podem ser replicativos,
ou seja, capazes de se replicar dentro das nossas células, ou não. As
vantagens das vacinas vetorizadas são, como as de proteínas, não
requerer o microrganismo inteiro, usam-se apenas sequências genéticas.
Também são muito versáteis. O mesmo vetor pode ser utilizado para
diferentes vacinas, basta trocar os genes “embarcados”. A desvantagem é
que só existe uma vacina de vetor viral aprovada no mercado (para
ebola), ou seja, trata-se de uma tecnologia muito nova, cujos efeitos
colaterais de longo prazo são desconhecidos.
As vacinas
genéticas, de DNA ou mRNA, usam só informação genética. Não trabalham
com organismos vivos ou mortos. A ideia, neste caso, é transferir a
informação que codifica uma proteína do microrganismo de interesse para
dentro da célula humana, e deixar a própria maquinaria celular fazer
todo o trabalho. A partir da informação, a célula produz a proteína de
interesse e a apresenta para o sistema imune. No caso do DNA, utiliza-se
um plasmídeo (uma estrutura circular de DNA) para levar a informação
genética até as células do corpo humano. Já as moléculas de mRNA vão
dentro de um veículo, uma cápsula de gordura.
Ambas são muito
fáceis de produzir, não precisam de laboratório especial, são rápidas,
baratas, e rendem muitas doses por litro. Também, como as de vetor, são
versáteis, e podemos mudar de doença como quem muda de roupa,
simplesmente trocando os genes. As vacinas de DNA são mais estáveis e
fáceis de armazenar e transportar, mas são mais difíceis de aplicar. Em
geral, precisam de um aparelho chamado “eletroporador”, que vai dar
pequenos choques elétricos na pele, abrindo canais nas células por onde o
DNA pode entrar. Esses aparelhos não são de uso comum em postos de
saúde, e são caros. Já as de mRNA podem ser injetadas normalmente com
seringa, no músculo, mas o mRNA é uma molécula frágil que precisa ficar
protegida de luz e calor. Algumas vezes precisa de temperatura de -20º C
ou até -70º C, o que não é trivial para transporte e armazenamento. Não
temos nenhuma vacina genética no mercado ainda, mas aprovar qualquer
uma delas será um marco na história das vacinas.
A Inovio está
produzindo vacina de DNA, e a Moderna e a Pfizer, de mRNA. No Brasil, o
Instituto de Ciências Biomédicas da USP está desenvolvendo vacinas de
DNA e mRNA.
Qual vacina tem mais chance de funcionar?
Todas as
tecnologias são promissoras, e várias vacinas para COVID-19 já estão em
fase 3, ou seja, já passaram pelas fases 1 e 2, de segurança e
marcadores de imunidade. Mostraram que são seguras a curto prazo, e
capazes de induzir resposta imune. Na fase 3, serão testadas para
eficácia, ou seja, para ver se funcionam mesmo, e se conferem proteção.
Todas têm chance de funcionar na fase 3. Mas pode acontecer de uma ser
melhor para idosos, e outra só funcionar em jovens. Pode ser que uma
seja dose única e outra precise de duas ou três doses. Pode ser que uma
seja mais eficaz, e proteja mais pessoas do que outra. Isso só saberemos
testando.
Uma vacina funciona igual para todo mundo?
Não. A mesma
vacina pode funcionar muito bem em crianças e jovens, mas não em idosos,
por exemplo. Nosso sistema imune muda com a idade, e a resposta às
vacinas, também. Pessoas imunossuprimidas não devem tomar vacinas de
vírus vivos, por exemplo. Para estas, é melhor vacinas inativadas ou de
subunidades. Tudo isso precisa ser levado em conta quando montamos as
campanhas de vacinação.
Quais são as fases de teste de uma vacina?
A primeira fase
é a pré-clínica, onde testamos as vacinas em animais. Geralmente
roedores (camundongos, ratos, hamsters) e macacos. Nos animais,
investigamos se a vacina faz mal, se causa algum efeito colateral grave,
e se provoca resposta imune. Vacinamos os animais, esperamos, e após um
ou dois meses, fazemos o “desafio”. O desafio consiste em inocular nos
animais o microrganismo, no caso, o SARS-CoV-2, e checar se a vacina
impediu a doença, e também se evitou que o vírus infectasse as células
dos animais. Se tudo correr bem, passamos para os testes clínicos em
humanos, que são divididos em quatro fases.
Na fase 1,
testamos toxicidade e efeitos colaterais, em algumas dezenas de
voluntários jovens e saudáveis. Não estamos preocupados ainda em ver se a
vacina funciona. É só para ver se não faz mal a ninguém.
Na fase 2,
testamos algumas centenas de voluntários, e já buscamos dividir por
faixas etárias. Checamos marcadores de imunidade, para saber se a vacina
é capaz de provocar uma reposta no organismo. Uma boa vacina deve
provocar ao menos uma boa resposta de anticorpos. Mas isso não mostra
nada sobre eficácia. Mesmo provocando uma boa resposta, a vacina pode
não funcionar na prática, e não conferir proteção contra a doença.
Na fase 3,
aí sim testamos eficácia. Agora, queremos saber se a vacina funciona,
em milhares de voluntários, de uma população diversa. Dividimos os
voluntários em grupos: um grupo recebe a vacina de verdade, o outro
recebe um placebo. Pegamos esses grupos e “devolvemos” essas pessoas à
sociedade, onde elas estarão expostas ao agente causador da doença,
junto com o resto da população, e aguardamos para ver se, no grupo
vacinado, o número de pessoas que acaba pegando a doença é
significativamente menor do que no grupo placebo.
Se a doença
para de circular, não temos como completar o teste. Não podemos fazer
“desafios” em seres humanos, como fazemos para animais, a não ser em
condições muito específicas. Nem todos os países permitem desafios em
humanos. A legislação brasileira, por exemplo, proíbe. Nos Estados
Unidos e Reino Unido, permite-se, mas numa base caso a caso. Para
COVID-19, o desafio será permitido no Reino Unido, em ambiente altamente
controlado, e por se tratar de uma emergência mundial.
Cada vez que um
membro dos grupos tratamento ou placebo fica doente, registra-se um
“evento”. Por isso, dizemos que vamos concluir a fase 3 após registrar
um número de eventos que permita fazer uma comparação estatística entre
os grupos envolvidos no teste. Isso pode demorar mais ou menos,
dependendo de como a doença está circulando, e por isso não podemos
colocar data de encerramento da fase 3. Ela acaba quando atingirmos o
número de eventos necessários para que possamos calcular sua eficácia.
A eficácia será
estimada em porcentagem de pessoas protegidas, por isso dizemos que tal
vacina tem eficácia de 70%, por exemplo. Quer dizer que a vacina
protegeu 70% das pessoas vacinadas. Para COVID-19, a FDA, agência
federal regulatória dos Estados Unidos, considera aceitável uma vacina
com pelo menos 50% de eficácia. A OMS considera aceitável uma vacina
contra a COVID-19 que consiga induzir pelo menos 70% de proteção, mas já
aceita, assim como a FDA, uma vacina que induza no mínimo 50% de
proteção.
Para além do
porcentual, outros fatores que precisam ser abordados são o tempo de
proteção e o regime de vacinação. Por exemplo, de acordo com a OMS,
idealmente uma vacina precisa proteger por pelo menos um ano. Porém,
contra a COVID-19, já é aceita uma proteção mínima de seis meses. O
regime de vacinação ideal é de uma dose ou, no máximo, duas: se uma
vacina terá de imunizar bilhões de pessoas, estruturalmente será quase
impossível vacinar tanta gente mais de duas vezes, num intervalo de
poucos meses.
Se a vacina
mostrar eficácia em fase 3, ela é liberada para o mercado. As pessoas
vacinadas seguem sendo acompanhadas, para garantir que não haja nenhum
efeito colateral a médio e longo prazo. Efeitos adversos raros podem
aparecer só depois de vacinarmos milhões de pessoas.
Fazer vacinas tão rápido como agora é perigoso?
Não, se todas
as etapas forem respeitadas. O que não se pode é pular etapas. Algumas
empresas juntaram as fases 1 e 2, para ganhar tempo. Mas não pularam
nenhuma. O estado de emergência justifica a pressa, mas não o descuido
que poderia colocar vidas em risco. Fazer vacinas em dois anos já é um
tempo recorde, apressar mais do que isso seria irresponsável, assim como
liberar vacinas antes de completar a fase 3, como alguns países estão
fazendo.
Pode acontecer de nenhuma vacina funcionar para COVID-19?
Pode, mas é
improvável. Temos muitas vacinas, com tecnologias diferentes, sendo
testadas, e pelo menos uma delas, mais provavelmente algumas, deve
funcionar. É preciso ter em mente, no entanto, que as primeiras vacinas
não serão necessariamente as melhores. Pode ser que a eficácia seja
baixa, pode ser que não funcionem bem em alguns grupos – idosos, por
exemplo –, pode ser que sejam muito difíceis de transportar. Mas logo
atrás, vêm outras.
Quantas doses de vacina serão necessárias para COVID-19?
Depende da
estratégia vacinal que está sendo usada, e da capacidade das vacinas de
provocar uma resposta imune robusta. Vacinas inativadas e de subunidades
costumam precisar de mais doses, e vacinas vivas, de vetores, menos.
Mas isso está longe de ser uma regra fixa. No caso da COVID-19, quase
todas as vacinas em desenvolvimento vão precisar de duas doses. Até
agora só duas empresas, J&J e Merck, estão tentando criar um produto
de dose única.
Vacinas podem fazer mal?
Vacinas só são
licenciadas para uso humano depois de passar por todas as etapas de
teste e avaliação e se mostrarem extremamente seguras. E mesmo após uma
vacina conseguir a aprovação das agências responsáveis para autorizar o
uso humano, há um acompanhamento para detectar eventuais efeitos nocivos
de longo prazo, ou muito raros. Qualquer efeito adverso que possa ser
relacionado com a vacina chama a atenção dos órgãos responsáveis, que
lançam uma investigação.
Vacinas contêm produtos tóxicos?
Não! Definitivamente não!
Todos os
componentes que entram numa vacina são testados de forma exaustiva. Além
do princípio ativo, vacinas podem conter conservantes (para evitar que a
vacina estrague ou seja contaminada) e adjuvantes. O adjuvante é um
material que incentiva a reação do sistema imune – ele amplifica o
efeito da vacina. Os mais usados em seres humanos são aqueles à base de
alumínio. A segurança desse componente foi estabelecida em inúmeros
estudos, e ele vem sendo usado em formulações vacinais por décadas.
Porém, por não apresentar uma eficácia suficiente para proteger contra
organismos mais complexos, existe a necessidade de desenvolver novas
tecnologias.
Outro composto
que já foi acusado de toxicidade é o conservante timerosal. Por ser um
uma molécula que contém o elemento químico mercúrio, ele é às vezes
associado, na imaginação popular, ao metal mercúrio, que é tóxico. Mas,
sob a forma de timerosal, o mercúrio não se acumula no corpo humano.
Além disso, as quantidades utilizadas são absurdamente pequenas, muito
menores do que a quantidade de mercúrio permitida na água que bebemos.
Por fim, somente algumas vacinas ainda usam timerosal como conservante. O
produto começou a ser deixado de lado em 2001.
Ouvi
dizer que o problema não é a vacina em si, mas que são muitas vacinas no
calendário vacinal, e essa quantidade enorme de antígenos, de uma vez,
sobrecarrega o sistema imune das crianças e pode ser tóxico.
Falso. Somos
naturalmente expostos a milhares de antígenos desde o nascimento. As
vacinas do calendário contribuem com aproximadamente 300 antígenos
durante os primeiros dois anos de vida, segundo dados do Centro de
Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA. Esses antígenos usariam
mais ou menos 0,1% do sistema imune, e as vacinas mais modernas usariam
menos ainda, porque contêm apenas pedaços dos micro-organismos.
É verdade que vacinas são feitas em tecidos de fetos humanos abortados?
Mentira!
Primeiro, como vimos, existem diversas maneiras e estratégias para
desenvolver uma vacina: qualquer afirmação que tente dizer algo sobre
“todas as vacinas”, portanto, tem uma enorme chance de estar errada.
Mas, então, de
onde vem a história dos fetos? Vale lembrar que, para desenvolvermos um
composto para uso humano, muitas vezes torna-se necessário testes em
células com características humanas. Há uma linhagem celular chamada
“Células HEK” (Human Embryonic Kidney) que traduzindo significa "células
de rim embrionário humano". Essas células são muito utilizadas, desde a
década de 1970, para produção de componentes vacinais, por exemplo
proteínas. Mas não quer dizer que estamos utilizando fetos abortados
para obter células e usar para produzir vacinas. Apenas usamos, entre
outros meios de produção, células que descendem de células isoladas, há
quase meio século, de um embrião humano.
Quanto tempo a vacina vai durar? Vai ser preciso tomar todo ano, como a da gripe?
De acordo com a OMS, uma vacina precisa
proteger por pelo menos um ano. Mas, frente à crise da pandemia, já se
considera aceitável uma vacina que possa proteger por, no mínimo, seis
meses.
Ainda não é
possível saber com qual periodicidade será preciso tomar a vacina para
COVID-19. Talvez uma vacinação só baste para a vida toda, talvez não.
Precisamos esperar primeiro as estratégias vacinais anti-COVID-19 que
serão licenciadas para uso humano. Com isso, saberemos a capacidade de
induzir proteção dessas vacinas, se serão capazes de produzir memoria
imunológica e por quanto tempo.
Quem já teve COVID-19 vai precisar tomar vacina?
Provavelmente
não, pois em teoria uma pessoa que foi infectada com o SARS-CoV-2
adquire imunidade para se proteger de uma segunda infecção. Essa é
chamada vacinação natural. Mas com notícias aparecendo sobre
reinfecções, essa possibilidade precisará ser avaliada por uma comissão
técnica para decidir as estratégias a serem utilizadas.
Se tiver mais de uma vacina disponível, eu posso tomar mais de uma?
O recomendado é
que não. A pessoa vai tomar a vacina que melhor encaixar para sua faixa
etária e obter as melhores características que cada vacina pode
proporcionar. Para estudos futuros, poderão aparecer experimentos que
testem se uma vacina pode complementar a outra. Por exemplo, em uma
primeira dose pode utilizar uma vacina inativada e em uma segunda dose
uma vacina de DNA, ou seja, haverá futuros testes que possam combinar e
obter o melhor de cada formulação. Mas, até obtermos esses resultados,
não é recomendado a pessoa procurar se vacinar com todas as vacinas que
aparecerem (mesmo que sejam só duas), para evitar qualquer imprevisto.
Assim que tiver vacina, acabou a pandemia?
Não. Vacinas
aprovadas não se transformam automaticamente em vacinas no posto de
saúde, disponíveis para toda a população. É preciso escalar a produção, e
para isso, fábricas precisam ser construídas ou ampliadas. Depois, é
preciso produzir frascos para envasar todas essas doses, e seringas para
aplicar. Arranjos de armazenamento e transporte precisam ser feitos, e
cadeias de frio precisam ser criadas, com as temperaturas adequadas para
cada vacina. Uma vacina que precisa de freezer -70º C, por exemplo,
pode ser inviável para um país como o Brasil, onde há regiões onde o
próprio abastecimento de eletricidade é irregular. Depois de toda a
logística ajustada, precisa-se criar as campanhas de vacinação. Escolher
os grupos prioritários, treinar agentes de saúde, fazer as campanhas
publicitárias. Tudo isso leva tempo e precisa de planejamento
estratégico. Além disso, demora para vacinar 200 milhões de pessoas. A
campanha da gripe, só no estado de SP, precisou de três meses para
vacinar 14 milhões, isso porque é uma vacina já conhecida e disponível
no SUS."
Natalia Pasternak é pesquisadora do Instituto de Ciências
Biomédicas (ICB) da USP, presidente do Instituto Questão de Ciência e
coautora do livro "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto)
Gustavo Cabral de Miranda é doutor em imunologia e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP